quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Sobre-viver

    Insipidamente e quase sem aviso, levanta-se sobre mim uma áurea negra, feia, cheia de escamas e espinhos e coisas virulentas e bobas, preocupadas e sujas. Interpunha sobre meus sonhos tua face que não consigo mais ver, mas enxergo bem enquanto durmo e descarrego toda a falta que sinto no que não posso ter. Vem, lá do fundo, das réstias e raspas, de dentro de mim, uma vontade bem conhecida de destruir e consumir com tudo. Qualquer relação bonita, duradoura, aconchegante, belíssima, enfim. Já leu isso antes? Para mim é mais do que familiar, por que escorre além das veias sanguíneas, pulsa forte entre a essência de mim mesma.
   Eu tentei ser correta, sei lá, agir como bem seguia o regimento da vida e continuar marchando até onde os bons fluidos levassem. Pensei que ia dar certo. Não sei, não deu antes daquela forma soberba e chata, tinha que dar agora dessa forma despreocupada e insana. E novamente não deu. Ainda continuo com os bolsos vazios, o coração pingando, encharcado de tanta mesmice desnecessária e promessas que nunca se cumprem. Não sei, mas acho mesmo é que desisto. Das pessoas, de tudo. Dessa forma minha de ser. Acho que chega aquele momento que estar dentro de si mesmo já não é mais um bom lugar para se estar. Por que fica tudo tão desconexo. Sem sentido. Em vão. Então para que? Não é mais fácil cortar tudo fora e não deixar nada do que observar uma pequena e frágil flor sobreviver esmorecida?
    Eu preferiria que vivesse, você sabe, viver continuamente e crescer, criar ramos, florescer, e depois fechar-se e abrir-se nas primaveras da vida, sempre mais e mais bonita. Diga-me, que sentido tem em somente sobreviver e nada mais prosseguir além de sugar os sulcos de ar secos dentro das vertiginosas horas de um dia que nunca acaba e que possivelmente nunca chegou a começar?

Annabel Laurino