E todo dia quando acordava ela se lembrava daquele gosto bom
de café, apalpava o corpo com as mãos de unhas tingidas de preto e depois
bagunçava o cabelo adornado de mechas loiras e brancas. Era uma incógnita
ambulante. Uma parafernália gritante e profundamente confusa que poucos sabiam
manejar. Ela se estendia, se espreguiçava, colava e partia, sem dar a menor
explicação para ninguém. Nem ela mesma se entendia. Nunca soube ser bonita,
charmosa, se achar gostosa ou dar uma de esperta, nunca soube ser nerd, esquisita,
ou metida. Mimada, até podia ser. Sabia que era. Mas preferia dizer que não era
mimada, simplesmente era persistente, corria atrás do que queria por que sabia
o que queria. Quando sabia. Geralmente nunca sabia, mas nas poucas vezes, era
uma total guerreira. Retirava as adagas, levantava bandeiras, inventava urros
de guerra e saia para a peleja. Ela era estranha, louca ou anormal. Algo do
tipo. As pessoas nunca a entendiam, ela amava errado, gostava das coisas mais
esquisitas. Como dias de chuvas, sair na chuva, molhar o cabelo, folhas secas,
frio, ventos fortes, carros antigos, meias, livros, e tirar fotos sem nexo. Escrever
poesias, falar com cachorros, brincar com crianças, fazer listas de afazeres, cheirar
livros, segundas-feiras, escutar música, jogar jogos, amar, beijar... Era uma total... Total ela
mesma. E até então, todos os dias que acordava, mesmo sabendo que ninguém a
compreendia, e nem compreenderia, a única coisa que lhe servia e que desejava
ardentemente era uma boa e deliciosa xícara de café, daquelas com o café forte,
cheiroso e fervente. Ela se servia muito bem de só isso. Por que lhe bastava
começar o dia assim, sendo ela mesma.
Annabel Laurino.
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