sábado, 29 de outubro de 2011

E agora, barra, um dia fui, barra, não sou mais.


    O dia foi bom. Não teve nenhuma subtração ou soma. Nenhum acréssimo na minha sacola de viajem. Nada. Não que tenha faltado oportunidades para rechea-la mais, apenas não quis. Não venho querendo. Trago apenas o essencial, nada mais do que o necessário. E pessoas, bem, não são exatamente o essencial.
    Digo, acordei e vi o céu de meio dia bem pintado e refletido pela janela do quarto, o sol era tão vivo que cegava a vista mesmo se visto de uma direção distante. O ar pungente de verão, calor, febril, a pele suando, o corpo recém desperto ainda cansado, dormente.
    Mas depois de um certo tempo, mesmo assim, o dia melhorou. Como sempre melhora aliás. Incontáveis xícaras de café, mais capítulos escritos, alguns textos, afazeres diários, e etc, etc, etc, blábláblá.
    Depois de tanto me lançar a fundo, depois de tanto querer tocar lá dentro, de mergulhar no desconhecido, me atirar em incertezas, agora eu ando pelas beiradas, na superfície. Entende? Antes o muito era pouco, agora o pouco e muito não me servem mais. É uma medida razoável. Se me sinto bem, então tudo bem. Não conto dias, não conto nem mais as horas que despercebidas correm a solta pelos ponteiros do relógio. Parecem que fogem da seta traiçoeira.
    Sei que não é muito generoso da minha parte ficar assim, tão fria. Mas não é por escolha, é fatalidade.
    Ando como uma jardineira maníaca podando as arvores antes que cresçam, esvaziando o jardim, não aceito, estou seletiva, nego, sou madura, não percebo, não sinto, e praticamente nem ouço. Mas sigo, sigo em frente e quando vejo que mais um dia chegou ao fim, aliviada, tiro meu avental machado de tintas, minhas luvas pesadas, minhas botas de combate, minha máscara protetora, e caminho até a cama, coloco um pijama quente e macio, azul clarinho de preferência, abraço um urso, escovo os cabelos, bem como bonequinha sabe? Daí eu me deito, em posição fetal, e choro durante algum tempo, escuto uma música bem drama-ever-nunca-mais-posso-te-esquecer e depois, bem, depois escorregando pelas bordas, caio em um sono profundo, duro e quente, de lembranças ardentes de alguém que um dia fui, de quem amei, de cenas que vivi, que não voltam mais.


Annabel Laurino.

Nenhum comentário: