terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Contra e diz

    Para. Senta. Respira. Pensa. Bebe o café. 'Não'. Agora abaixa a caneca. Pensa. Suspira. O pensamento é como uma bola de pingue-pongue, bate e volta. Quando volta, é um baque. Fundo. Então levanta a caneca, bebe o café. Nega. Até o fim. O pensamento é coisa dura de se aceitar. Por isso ele bate. E depois volta. E por isso para e bebe o café.
    E eu penso comigo mesma, 'o que está havendo? Eu nem se quer tenho 20". E esse é o problema, eu nem ao menos tenho 20. E eu só quero envelhecer.
    Para que?, eu me pergunto.
    Para viver mais, eu respondo.
    Então eu sou uma contradição gritante entre duas coisas sem sentido. Eu quero o velho mas ao mesmo tempo sou desesperada pelo novo. Eu sinto saudades, mas mantenho distância. Eu o amo, mas eu o traio. Eu gosto dele, mas eu não o quero para mim. Eu amo azul, mas eu visto vermelho. Eu amo chuva, mas abro o guarda-chuva toda vez que um pingo ameaça cair sobre mim, sobre minha cabeça. Eu não quero gritar mais, mas lá estou eu, berrando à plenos pulmões. Eu não quero amar, mas me entrego em qualquer flor que dê sinais de florescer.
    Assim é a vida e assim eu vou seguindo um caminho que se mostra limpo, mas eu o complico na primeira oportunidade.
    Você já viu aquele filme, "Desconstruindo Harry"? Bem, como uma woodalista eu não poderia citar outro filme, mas a verdade é que eu me sinto constantemente como o próprio Harry. Confusa, perdida, me desconstruindo mentalmente numa capacidade mil de me desencontrar no instante em que me procuro.
    É como procurar a tarraxa de um brinco num quarto completamente limpo, você tem certeza de tê-la deixado cair por ali, no meio do quarto, mas não se encontra lá, não está. E você vasculha cada metro quadrado do lugar, cada metro quadrado limpo e intacto. E nada. Quando por volta e meia, em meio a desistência, meia hora depois, lá está, a tarraxa do seu brinco no quarto.
    Ou as coisas estão onde deveriam estar e eu não as percebo, ou estou vendo ao contrário o que deveria estar vendo certo. E faço isso porque o quero fazer. Porque é mais atraente.
    De repente me vêem à mente de que sou o tipo de pessoa que se agrada muitíssimo de algo errado, algo torto, algo fora do lugar. É como aquela musica, "eu gosto é do estrago".
    Me disseram certa vez que eu nasci ao contrário. Eu respondi, é o signo, escorpião sabe, tudo louco. E as vezes é verdade, pode ser verdade. Mas pode ser bobagem, vai saber.
    Eu vejo as pessoas e eu queria conhecer cada coisa delas, então eu finjo que as conheço, é tão puro - as pessoas e não o fato de conhecê-las - porque conhecê-las de verdade da uma certa preguiça exagerada, já é difícil eu mesma me conhecer.
    Porque eu me desconheço todos os dias, eu nem sei que cor meu cabelo é. Ruivo, castanho, loiro, sei lá. Eu nem sei que cor os meus olhos são. Mel, chocolate, castanho, sei lá. Eu só sei dizer que de uma maneira muito estranha, muito gritante e muito contraditória 'eu sou', eu sou eu mesma, de uma maneira que extravasa qualquer explicação, porque essa coisa de se autodefinir é meio blá, então eu prossigo sendo eu. Eu, essa coisa 'eu'. 
    De repente é profundamente lamentável que apenas duas letras juntas possam definir todo um ser, toda uma massa em movimento a cada segundo que se passa. 




Annabel Laurino
   
   

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