segunda-feira, 23 de setembro de 2013

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"(…) não tem importância que você não compreenda isso, porque estou acostumado com a incompreensão alheia, com a minha própria incompreensão, mais do que tudo."



 Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A Arte da Contemplação

    Silêncio.
    Silêncio.
    Silêncio.
    Ah, agora sim. 
    Pelo menos os 75 degraus que subi até aqui valeram a pena, sim, eu contei. 75 degraus de subida depois do elevador até o topo do que eu posso considerar, majestosamente de 'o topo do mundo'. Claro, isso se você quer mesmo acreditar em mim, caso contrário eu posso ser mais realista e te falar que o meu 'topo do mundo' é bem mais embaixo, trata-se apenas de uma visão ampla de uma cidadezinha no final do mapa do país. Só isso. Embora só isso seria essa visão claramente deliciosa, que já me deixa contente. Olhe lá embaixo, perto da praça, o mesmo vendedor de churros que passa o dia marcando ponto no calçadão indo embora com a sua carroça meio desgastada de todos os dias ou os velhinhos logo mais a frente jogando xadrez nos seus típicos assentos descascados. Velhos, muito velhos, os bancos, é claro.
    Agito, que agito! A cidade toda com as luzes acesas, final de dia, aquela loucura de corre-corre pra pegar o busão e ir pra casa assistir a novela, colocar a fofoca em dia com o marido ou fazer aquela jantinha gostosa com a receita tirada de uma revista folheada na sala de espera do dentista. Que beleza. A cidade acessa, hora de pico, os ônibus trabalhando seus motores a todo gás. E mesmo daqui de cima consigo ver suas fumaças tóxicas poluindo a cidade por ai. Os carros também, aquela poluição sonora do caramba, nunca para. 
    Só aqui em cima. Aqui, no topo de tudo, de todos eles, ninguém pode me ver e somente eu vejo a todos. Acendo o cigarro, só mais unzinho, prometo. O ar quente espirala pelo ar e sai pelas minhas narinas, entra nas minhas retinas, poros, tudo. Sou só eu e o cigarro amigo. A cidade nem sei, tão louca em euforia. Fico aqui, vendo a todos, aqui é silêncio puro, através dessa vidraça comprida e fria, as luzes refletem e voltam a todo instante e junto das buzinas gritantes lá fora há o frio inquieto, as árvores secas da praça, o verde, as pessoas atravessando as ruas, o mar de gente.
    Te dizer que mesmo a vida lá embaixo sendo eufórica eu prefiro a curiosidade daqueles os mais escondidos, por assim dizer, pois eles não se escondem, eles só vivem nas suas caixinhas secretas com paredes como cascas de ovos e ali produzem uma vida que talvez muita gente nem imagine que eles levem. Você sabe, as pessoas dentro de suas casas. É, isso mesmo. Por exemplo, mais acima, no prédio bem a frente do meu eu vejo aquela senhora de meia idade colocando o café para passar na cafeteira e abrindo a porta da varanda para o seu Poodle de sei lá quantos anos, mais velho do que ela talvez, sair. Eu sei que por ela morar com o marido o café seja exclusivamente para ele, talvez ela goste de chá e se sim, imagino se ela não gosta de café, se ela só o prepara por causa dele. E logo na janela mais abaixo eu consigo ver um homem forte fazendo esteira na frente da TV, os dois filhos, creio eu, lutando no sofá da sala enquanto a esposa chega em casa e começa a gritar com todo mundo. Nas outras janelas, mais vida, vida que nunca acaba. Desde a mulher tingindo os cabelos na frente do espelho do banheiro até aquela que passa a roupa na sala enquanto fala ao telefone com a amiga e em outras mais janelas eu vejo o cara com a sua amante e em outra os adolescentes fumando no quarto escondido. Tudo isso num segundo só e todos eles ali, palpáveis, secretos em seus mundinhos e eu os descubro, os fantasio sem permissão. Sou uma intrusa. 
    18:38. O cigarro acabou faz tempo por isso acendo outro. Certo, eu disse que era só mais um, prometi até. Mas o meu lema é esse, não levo promessas a sério, as que eu faço, pelo menos. E com toda a minha força juvenil eu repito que esse será o ultimo e no more. Abro a janela mais um pouco e o barulho de fora vai entrando como se me jogassem uma tolha úmida na cara, é forte, é estrondoso. 
    No que eles pensam? O que eles querem? Para onde vão? O que está além do que realmente está ali? Hoje cedo a secretária da clínica médica me atendeu com os olhos vermelhos e cheios d'água. O que houve com ela? Ela nem segurava a caneta direito e na outra mão um lenço umedecido. Me pergunto se deu tudo errado com o noivo ou o pai morreu. Não tive coragem de perguntar. Talvez agora mesmo ela seja uma das formiguinhas ambulantes lá embaixo, entrando no ônibus apressada, ainda com  os olhos inchados, ou dentro de um carro, ouvindo musica de cortar os pulsos e se questionando da vida enquanto detesta silenciosamente seu uniforme de trabalho.
    Nunca vejo o tempo passar daqui de cima, mas o tempo passa, não, ele não passa, ele voa. As luzes se acendem gloriosas lá embaixo, cada vez mais. E as luzes dos prédios de moradia, são as pessoas chegando em casa. A vida toda num frenesi sem fim. 
    Mudo a posição e me debruço sobre o parapeito da janela, as cinzas caem lá embaixo, para lugar nenhum, sobre o vento. Eu poderia descrever a você o que me leva a crer quem sou eu agora, nesse exato instante em que falo, mas sou qualquer um, por exemplo, a pessoa que pega ônibus com você todos os dias, chego em casa e escrevo, como agora, essa escrita cheia de conotações cinzentas. Você não quer saber quem eu sou. Eu só estou aqui, fumando meu cigarro de todo dia, olhando pra você indo em direção ao seu caminho, entrando em algum lugar ou vivendo sua vida, vendo TV, quem sabe. Sou alguém que você esbarrou na fila do banco e não disse desculpa, ou quem te vendeu um sorvete ou até mesmo te deu uma informação sobre onde ficava mesmo aquela antiga relojoaria da cidade. Você nunca irá saber porque eu não me revelo, eu me encubro. Me escondo onde não podem me ver e assim, eu me intrometo.
    Respiro fundo. Poluição por todos os lados, aqui, ali, lá e mais ao longe. A lagoa próxima trás uma brisa fresca que me consola. É bom aqui, tudo, desde os mínimos aos máximos detalhes. Tudo me conforta. 
    E por um momento, eu paro.
    Silêncio. 
    Alguém me observa. Em uma janela acessa no prédio a frente, um ser tal eu que o olho me analisa, me fita, me contempla. Fui flagrada.
    Ou vice e versa.  
    Uma buzina ressoa forte ao longe.
    E continuamos.  




Annabel Laurino 





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"Um belo dia resolvi mudar 
 E fazer tudo que eu queria fazer"



Rita Lee

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

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" Eis o que não é bonito em tudo isso: daqui não se vê a poeira ou a tinta rachando ou sei lá o quê, mas dá para ver o que este lugar é de verdade. Dá para ver o quanto é falso. Não é nem consistente o suficiente para ser feito de plástico. É uma cidade de papel. Que dizer, olhe para ela, Q: Olhe para todas aquelas ruas sem saídas, aquelas ruas que dão a volta em si mesmas, todas aquelas casas construídas para virem a baixo. Todas aquelas pessoas de papel vivendo suas vidas em casas de papel, queimando o futuro para se manterem aquecidas. (…) Todos idiotizados com a obsessão por possuir coisas. Todas as coisas finas e frágeis feito papel. E todas as pessoas também. Vivi aqui durante dezoito anos e nunca encontrei ninguém que se importasse com qualquer coisa. "



Livro Cidades de Papel, John Green

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Listen to The Rain

    Ninguém pode espiar dentro do meu mundo. Não há frestas nem vãos de portas abertas, ele é selado pelo mais forte de todos os velcros. E é agora, presa nesse mundo escondido que analiso a chuva lá fora que bate e volta nos vidros frios da janela do meu quarto, gotas que produzem barulhos altos nas telhas da casa e ressoam aqui dentro e que trazem conforto. É como se eu ainda estivesse em um tempo atrás mas totalmente aqui agora, nesse presente right now que é continuamente contínuo e se transforma a todo instante. Só que mesmo assim, mesmo assim meu caro, é no passado que eu penso quando deito a cabeça no travesseiro todas as noites, é nele em que eu me lembro.
    Como dizia a musica do Cazuza, eu vejo um futuro repetir o passado. E eu me vejo constantemente lá, no meu futuro intocável e lembro constantemente do passado, o passado que agora já deixou de existir pois não atua mais sobre mim, a não ser claro como uma lembrança, com saudade.
    Será que estaremos todos destinados a isso, sermos passados, termos passados e nunca mais retornarmos a ele? Eu lembro de um livro que eu li, The Great Gatsby, o caro e pobre Gatsby que acreditava constantemente que ele poderia ter seu passado de volta intacto, que ele poderia ter Daisy de volta e sim, que ele poderia fazer com que tudo, exatamente tudo, voltasse a ser como antes. E assim, Gatsby vivia constantemente correndo em direção ao seu futuro refletido num passado distante.
    Um mundo intocável esse a partir do momento em que já se perdeu, acredito. É por isso que nesse mundo em me escondo cheio de lembranças, de fotos e recordações memoráveis e que ninguém pode ver, ninguém pode sentir e nem espiar dentro dele, porque ninguém jamais sentirá exatamente o que eu senti quando vivi tudo aquilo. A não ser, claro, quem viveu comigo.
    Gotas de chuva ainda caem lá fora, é um dia cinzo e eu ouço musica velha pra espantar qualquer tipo de silêncio indesejável. A gente sempre prefere o barulho, a gente sempre prefere o conforto de fingir que algo não está ali quando na verdade ele está.
    E o que está agora é um futuro que eu não consigo prever.
    Assusta? Me pergunto.
    Assusta.




Annabel Laurino 

terça-feira, 10 de setembro de 2013

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“Meu negócio não era coisa pequena. Eu queria o mundo ou nada.”



 Charles Bukowski

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

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“Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.”




      Clarice Lispector, (último bilhete escrito no hospital da Lagoa, Rio de Janeiro, 7/12/1977.)

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Acostumar

    Mas se tudo isso fosse ensaiado, só que não é. Até agora depois de todos os momentos nunca foi. Nada combinado, nada programado. Você só chegou bem perto de mim enquanto a musica começava com suas nuances de acordes e me tomou nos braços carinhosamente, como sempre faz e faz tão bem.
    Não há gestos obrigados ou trejeitos que insinuem algo que não está realmente lá. E eu sei disso enquanto olho no seu olho e me deixo ser pega por você até que quando me dou conta já estamos dançando.
    Lá estávamos nós, ao som da letra que nos embalava, e você pôs suas mãos na minha cintura e eu te envolvi com os meus braços no seu pescoço, não resisti e te cantei um verso enquanto te beijava a boca. "Dava tudo por amor, eu vim de longe, dava pra sentir você dançando só pra mim". Nunca nada foi tão bom e nós ficamos nos embalando em meio ao meu quarto até a musica acabar. A musica dizia sobre se acostumar e eu já tão acostumada com o cheiro do seu suéter em mim, com seu cabelo enroladinho e seus olhos sinceros aquecendo os meus dias mais frios. Eu que já me acostumei com os nossos encontros sobre luas e sóis, praias com vento fresco e noites de chuva no carro do seu pai e Roberto Carlos tocando ao fundo. Com a comida da sua mãe, o seu gato Fredie, seu quarto arrumadinho e nós dois juntos trocando conspirações fajutas e tomando qualquer coisa no sofá da sua sala num domingo qualquer. 
    Me acostumei à essa mudança cósmica sobre o plano espetacular do meu mundo escondido. Você veio e trouxe o sol enquanto eu dava tudo por amor. Acostumei com os cantos dos meus lábios se curvando em reverência à essa vida boa que levo agora com você, porque me acostumei da gente se divertir sem me preocupar se lá fora o mundo pode ou não mudar e o que as bocas estranhas irão falar.
    Estarei segura enquanto você segurar a minha mão, ou me embalar assim nos seus braços até a musica acabar, até a gente não cansar de se acostumar.





Annabel Laurino