terça-feira, 16 de abril de 2013

A Feeling

    Eu tive um sentimento enquanto caminhava pela rua aquela hora da noite. Foi um feeling forte e que ficou grudado no peito. Sim. Tudo começou a chafurdar junto como uma massa toda sendo misturada, como se fosse de repente um filme. Toda aquela cena, a luz dos postes, a calçada, os ladrilhos do meio fio meio gastos e manchados, iluminados pelo alaranjado das lampadas acima de nossas cabeças e aquele frio repentino subindo pela meia calça, roçando nas pernas, pinicando gélido. 
    Foi vendo aquelas casas todas, uma empilhadinha ao lado da outra, tão organizadas que eu pensei em tudo. E eu pensei em tantas coisas. Pensei nas pessoas chegando perto de seus lares ao final do dia. O que elas sentem quando estão próximas daquela tão reconhecida porta? Elas sabem o que vão encontrar lá dentro. Sim, elas diferem aquela unica e em especial porta de todas as outras daquela rua, daquele bairro. E sentem uma familiar sensação de conforto, porque é algo que elas conhecem tão e maravilhosamente bem. A chave que elas seguram em suas mãos é por ventura a chave que abrirá aquela porta e não todas as tantas outras, apenas aquela. E por isso ao entrar por aquela porta o sentimento é completamente diferente de quando entraram em algum outro lar que não o delas mesmas, não é um sentimento familiar e confortável. Não é 'a porta'.
     O que vem depois é só um conjunto ainda mais singular e perfeito, uma junção de familiaridades. A pessoa com a casa em si já conhece a rachadura da parede ao lado do vaso de flores que fica ao canto da sala e próximo ao tapete de cor extravagante comprado em um lugar qualquer por uma pechincha unica. Ela sabe de cada detalhe. A cor da geladeira que não é branca nem bege e nem cinza, talvez um gelo meio empoeirado. A pia com lascas de arranhões de facas. A toalha de mesa, presente da avó. A cama com cobertas indianas e cheiros de cremes e loções de banho. A janela em cima da cama por onde gosta de admirar o lusco-fusco do dia, aquele momento de introspecção querido e que desconfia não encontrar em mais nenhum lugar do mundo a não ser ali. O forno velho do fogão quase dando adeus cujo assa os melhores bolos de aniversários e o guarda-roupa lustroso com ares de anos 60. Da pilha de revistas à estantes de livros adorados. 

    Tudo isso registrado na mente de uma pessoa enquanto se aproxima de sua casa. Ela a reconhece por inteiro, cada centímetro quadrado, a adora e a odeia, dos dias de limpeza até aqueles concertos indesejados que são necessários serem feitos. Mas ela a adora. 
    Pensei nisso enquanto caminhava pela rua. Cheguei a conclusão de que nós pessoas somos como casas. Sim, eu pensei nisso enquanto via um casal de amigos se aproximarem de seu aconchegante lar e eu refleti na familiaridade de um para o outro, daquela coisa toda que une duas pessoas, de como tudo isso funciona ou deixa de funcionar, e essa intimidade adentro que poucos conhecem. E pensei que você mora em alguém de qualquer jeito, de alguma forma. Que depois que você adentra a vida de alguém você será a casa para esse alguém entrar quando quiser, nos dias de chuva, de raios e trovões, ou nos dias de sol, emprestando a varanda arejada para um chá gelado e protetor solar. E consequentemente tudo isso é um ciclo, eu viro morada, mas moro em alguém também. 
     Tudo isso é lindo, mágico e fiquei tão triste por pensar nessas coisas todas.
     De repente você pensa no que temos e como temos com as pessoas todas de nossas vidas e você julga isso tão especial, mas depois, parando para pensar, dentro de mim, com essas roupas todas jogadas por todos os lados, cama por arrumar e louça suja para lavar, quem gostaria de morar aqui numa hora dessas? Quem seria feliz por chocalhar as chaves ao se aproximar perto da minha porta e saber que é aquela chave que abre essa unica porta aqui? Quem ficaria contente de entrar e passar os pés no tapete de entrada e se deparar com essa bagunça toda e ainda assim querer limpar, arrumar e depois por um café para passar quente e cheiroso?
     Teria que ser quem realmente quisesse ficar.
     Fiquei horas pensando sobre isso. E achei engraçado essa introspecção toda, mas achei lindo, tão lindo. É mágico quando de repente você para para pensar que pode ser muito bonito morar assim dentro de alguém, e de repente ser um lar para essa outra pessoa e não compartilhar só poses, sorrisos enfeitados e cílios batendo firmes com a ajuda de um rímel, mas que pode-se repartir dor, tristeza, saudade, carinho, afeto. Que você não está sozinho, que você tem onde passar a noite caso o mundo se vire contra você. Você terá uma cama quente e uma companhia para te abraçar e te prometer conhecer Paris ano que vem, mesmo que não conheçam. Você passa a ter tudo isso e de repente nada mais é tão só. De uma hora para outra você começa a repartir aquela coisa antiga também, meio esquecida, causada e querida, sim, o amor. 



Annabel Laurino

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