domingo, 29 de julho de 2012

Garoto lindo e sua pipa estimada


    Fico me perguntando por que você não foi embora ainda. Quer dizer, eu não quero que você vá. Francamente, eu quero que você fique. Sim, fique. Você sabe, eu gosto muito quando você está por perto. Me sinto leve, solta, desinibida, como se a vida fosse um punhado de pó colorido e seus bilhares de grãos desfacelando pelo ar, como se eu estivesse numa daquelas cenas de filmes antigos, como Bonequinha de Luxo, com Holly sentada na janela com um violão nos braços cantando para a Nova York lá embaixo.
    Fica vai. Quero estender minhas pernas sobre teu colo, tirar os sapatos e te permitir me tocar, se você quiser, então só então eu vou ver aquela sua face de menino tímido todo com cuidado para me fazer um simples carinho. E vou te pedir que encha a minha caneca de mais chá, e você vai levantar e vai dizer “Com certeza”. Sei que eu dou o maior trabalho, esse jeito de menina mimada com manias, trejeitos, frescurinhas, minha independência e auto-suficiência que irrita, mas você me atura. E eu não entendo como.
    Por que você não abandonou o barco ainda meu amigo? Quer dizer, o barco já tava furado quando você chegou, não tinha pé, tava inundando. Mas você todo louco não quis nem saber e começou a arremessar as mangas e tirar a água fora, tapar os buracos, aprumar as velas, dar sinal de comando, você que nunca tinha dado partido num barco antes. As vezes eu penso que você tem problemas de infância, sei lá. Vai ver eu sou para você uma pipa que quando pequeno você perdeu no céu e nunca mais conseguiu pegar, uma pipa estimada e diferente que só você dentre seus amiguinhos possuía, e agora você vê em mim essa bendita pipa que por um estranho motivo você não quer deixar fugir. E fica me segurando, me agarrando entre essas mãos grandes que são maiores que os meus pés. Aceitando os meus defeitos como se fossem normais, como se eu merecesse todos os seus cuidados, todo esse amor sem medidas.
   Ah eu sei, fui eu que disse que queria que você ficasse. E eu quero mesmo. Você me acostumou mal, não tenho culpa, ou tenho, sei lá. Eu só preciso te ligar, dizer que preciso muito, muito de ti, ou nem usar do muito, só do preciso e você já esta na minha porta com os bolsos cheios de boas palavras e de sua boa educação. Eu amo isso, acho que nem mais gosto de você, eu amo muito você. Mas não me peça nada, por favor. É sabe, não me peça aquela coisa séria que não vamos utilizar de nome. Ta tudo bem assim na verdade. Cargas leves por que somos muito pirados para qualquer loucura séria. Mas eu quero te pedir, muitas coisas aliás. Sim eu tenho uma lista de todas as coisas que eu quero te pedir. São todas boas e bobas, mas são coisas. E eu não quero ouvir um não. Eu quero seu sim, sims. E sei que você me daria qualquer coisa.
    Lá vem eu e meu lado mimada que você só piorou depois que chegou aqui. Mas não posso fazer nada. A não ser te telefonar daqui a pouco e te contar que comprei uma meia calça nova, que eu to cheirosa, que o domingo ta lindo e tem uma penca de coisas que podíamos fazer e que eu to te esperando. Sei que no começo da frase você já estaria abrindo a porta e vindo pra cá. Sabemos.
    Garoto lindo, já disse como eu amo seu sorriso ultimamente?


Annabel Laurino