quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Halianto esfumaçado.

Rói o canto da pele no minusculo dedo indicador. Bebe água. Rói a pele. Puxa e puxa, até arrancar. Observa o estrago. Sangra. Mas não dói. Engraçado. Quando na vida algo sangra e não dói? Bebe água, chupa o dedo, olha para a tela de luz a sua frente, vazia, o documento vazio, as ideias não vem, dor, a droga do travamento de criatividade. Esquece a água, bebe café. Só café agora, até as drogas de ideias virem. Começa a escrever coisas sem sentido. Se pelo menos tudo na vida fosse um tanto mais simples do que essa droga toda. Droga, não tem outra coisa pra falar então só pensa em droga. É tudo tão... droga. Poxa, mas que droga, por que dessa droga? Volta para o dedo, puxa só mais um pouco a pele e agora dói, arde e arde, volta a chupar o dedo, que droga. Volta a pensar que se as coisas fossem mais simples, se pelo menos os pensamentos na cabeça funcionassem como um trem deslizando sobre um trilho, feliz, partindo em meio aos campos de girassol com um sol forte perfurando a fumaça, o barulho do ferro sendo batido contra o ferro, as engrenagens trabalhando perfeitamente, uma brisa quente soa leve do alto das montanhas lá longe e escorrega devagarzinho como uma gelatina densa se espalhando pela colher e vai descendo e condensando no ar até bater nas janelas fechadas, perfurar adentro pelas janelas abertas e acertar os rostos corados do sol forte, apagar os cigarros, esfriar os cafés, e vai indo, condensando toda a coisa. Indo lentamente. Acerta o rosto, paira no ar, entra no ralo de luz, misturando. Você já pode sentir. tem cheiro de halianto sobre o sol. Sim, sim. Bebe café, mais café. Hum, nhám, é. Sim. Sim. Já consegue sentir.


Annabel Laurino.

Nenhum comentário: