Então, – como sempre começa uma história horrível e trágica –
ela empurrou a adaga. Simples. Apertou firme contra o próprio peito, sem sentir
dor. Tamanha dor já fora no inicio, agora, espalhada pelo seu corpo, tomando-a
por inteiro, a dor era quase uma sensação de uma coberta cálida e venenosa, a
tapando inteiramente.
Lágrimas não
sobrepujavam para fora de seus pequeninos olhos brilhantes, nem mesmo uma
gotícula úmida. Nada. Eram vazios e não capturados, vagos, meio caídos, como em
repouso, duas orbitas brilhantes, sem sombra de vida, brilhavam por pura
fatalidade de um brilho seu.
Ela continuou ali,
parada, no frio, apontando a adaga gélida e fina, afiada e dura, contra seu
próprio pequeno corpo macio.
Ela pensava em
milhares de coisas.
Por que estava
fazendo isso afinal?
Partir era, na sua
opinião, uma coisa muito tola de se fazer.
Na verdade, nessa
hora da história, deve-se dizer que não existe adaga alguma, só para
esclarecer. Ela não era louca, não iria afinar o próprio corpo na esperança
mutua de trazê-lo de volta. Não iria adiantar.
A adaga fria, fina,
afiada e dura, é só algo vago que preciso dar nome, um conjunto de sentimentos,
uma situação venerosa, o arrebatamento da alma da própria moça.
Mas é verdade que
estava frio. E que ela sofria, embora dor alguma sentisse e nenhuma lágrima
escapulisse brilhante para fora de seus olhos.
Seus lábios
crisparam-se, secos em vida. Ela, que tanto esperava da vida, agora não
esperava mais nada. Sentou-se na areia sentindo os grãos quentes e tostados do
sol arranharem em sua pele, sentiu uma brisa vinda de longe cortejar seu rosto
e depois não sentia quase nada. Somente o sol, o dia, a movimentação das cores,
as conotações das luzes e o movimento do ar, das nuvens acima e os pássaros
voando ao longe.
Havia tanta gente,
para todo lado que se olhasse. Gente aqui, gente ali. Ela se perguntou se havia
ele no meio de tanta gente. Seu coração frágil ribombou no peito e depois saracoteou
na esperança cálida querendo fervilhar no mesmo instante.
Não, repreendeu-se.
Tirou uma foto da
bolsa, a foto dele. Queria chorar, mas lágrimas não lhe vinham, assim como
muitas coisas já não lhe vinham mais.
Como palavras, ou
como doces e alegria. Nada vinha. Sentia-se a espera de coisas que jamais iriam
chegar. Coisas como os planos que fizera com ele.
Ah sim, ela havia
feito muitos planos. E alguns ela nunca comentou com ninguém. São aqueles
planos que se faz quando se está só. Deitada na cama, mexendo nos cabelos
bagunçados e escutando o som da chuva, ela pensava e imaginava os dois juntos,
os dias perfeitos, as tardes languidas, as coisas certas, as brigas que depois
iriam se acertar, o fim do incerto e da insegurança sem fim, os dias em que
passariam rápido deixando rastros do quero mais.
Milhares de coisas
assomaram em sua mente enquanto segurava aquela foto. Droga, ele nem sabia
daquela foto.
Mas ela a tinha.
A tinha como
milhares de coisas que possuía e ele não sabia. Milhares delas, fragmentos de
sentimentos dolorosos que nunca chegou a lhe contar, sonhos e seus planos, e
alguns segredos de cá e de lá.
De repente uma coisa
bruta se chocou contra seu peito e uma avalanche de emoções lhe cobriu como uma
nevoa embaçada e mórbida.
Pronto.
O medo, a solidão e o desespero lhe preencheram até as solas
dos pequenos pés.
Estava perdendo-o,
para a vida, para os caminhos do destino, para a fatalidade do tempo e do
momento, para tudo e para seja lá mais o que que tivesse uma força tão maior do
que ela pudesse citar.
Dor e magoa.
Chorou.
Sentiu as lágrimas sendo arrancadas a força e de repente a
ardência em seus olhos lhe fez chorar mais e mais e tão mais não chorava com
força, chorava entregue. Entregava-se em cada soluço, em cada pedaço que sentia
das lembranças sendo mortas a facadas lentas na sua mente fresca.
Tudo que ela
pensava era nos dois juntos. Nos momentos bons, nos sentidos, na ausência, na
saudade do seu corpo, do seu calor, dos seus pelos, seu rosto, seu gosto, tudo
lhe arfava fortemente, a destruindo.
Então a adaga estava lá, girava contra seu pequeno corpo e a
dor era insuportável.
Mais lagrimas tremidas. Mais café quente e amargo. Mais dor,
mais saudade. Mais um fim.
Annabel Laurino.