sexta-feira, 9 de março de 2012

Cantando


    O dia nasceu correndo como se um ratinho branco descarrilhasse a correr em sua roda que de pedais de ferro polido ligavam-se aos ponteiros do tempo.
    Uma confusão louca se apossou da minha cabeça, peito, coração, sangue, alma, espírito. Me sentei na cadeira do quarto, o coração como um ser alado. Menino, poucas vezes me senti assim. Parecia um daqueles ataques de pânico. Mas não vinham fisicamente, era mais como se o meu espírito estivesse se debatendo dentre as bordas de mim.
    “O que você quer?” eu perguntava para ele, ansiosa por uma resposta, por desvendar a loucura que ocorria dentro e fora de mim.
    Mas não houve respostas. Ele passou o dia assim, horas inquieto, horas parecia dormir profundamente, e quando nervoso começou a cantar e cantar e cantar que quase fiquei louca de tanto que cantava, musicas difíceis de se traduzir assim, muito pessoal.
    E quando chegou o fim do dia, enfim ele sussurrou falsamente, quase já sem forças: “não faça isso novamente. Por mim”.
    Cai em um silêncio profundo. A própria parte de mim mesma chorando para que eu não a machucasse novamente. E imagine só como não se sente em um momento como esse. Não tive escolha, chorei até sentir-me lavada e lívida. E depois tomei uma decisão menino. A decisão mais cruel, daquelas que você não escolhe entre um caminho e outro, você só desvia deles, sem adentrar nenhum, você joga tudo fora, tudo. Menino, como doeu. Caminhei dentre a estrada, desviei dos caminhos que me chamavam tentadoramente, entre a ternura afável e o desejo ardente. Caminhei sem parar. Ainda estou caminhando, cada passo estou mais certa de que a dor é mesmo opcional e de que o sofrimento encontra-se em uma caixa rotulada por lembranças que não necessariamente precisa ser aberta. Não há saída. Pelo menos meu espírito sente-se mais leve, ele acaba de me dizer isso.


Annabel Laurino.

manhã de sábado, eu digo um dois, e você completa três


“Siiiinhác” fez o pacote da barrinha de cereal sendo aberta. Levou a barra pequenina aos lábios e mordeu. O sabor da macadâmia inundando os lábios rosados. Baixou os olhos mirando as mãos de unhas vermelhas. Um dois três, um dois três. Levantou os olhos e sobrancelhas-grossas já a olhava, levantou uma sobrancelha sedutoramente, do balcão de frente para ela, o corpo esguio e perfeitamente magro. Ela mastigou lentamente, gostava de como a pele dele incrivelmente branca como a polpa de uma maça se sobressaia por baixo dos cabelos negros e da camiseta azul escura, de como os olhos dele eram cinzentos e bilhares de coisas mais que aprovava enquanto mastigava sem saber se faziam algum sentido óbvio para definir: "sim, eu gosto.". Ele jogou a pasta cinza por cima da mesa, um gesto abrupto, assim em publico, mas parecia não ligar a mínima para o que os outros pensariam. Olhos cinza, por baixo das sobrancelhas grossas, a miravam fazendo-a sentir que aqueles olhos lhe davam mordidinhas lentas em seu corpo cada segundo que passava. Ela baixou os olhos novamente. Um dois três. Levantou novamente, como uma menina levada e curiosa, ele a olhava ainda. Desenhou nos lábios finos um sorriso convidativo, logo com a boca moldando-se gentilmente sem emitir som: “Lá fora”, quis dizer. Ela assentiu. Um dois três. Sentia suas faces rubras. Mas o que fazer? Sobrancelhas-grossas sorriu, parecia felino, maciço e delicioso. Delicioso.

Annabel Laurino. 

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"Só mais um pouquinho, pensou. Uma lasquinha. Pra dormir feliz. Amanhã era amanhã. Depois ela resolvia..."

Tati Bernardi

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Ah meu bem, se a dor fosse amiga me sentava com ela em um banco qualquer da praça, tipo logo na hora do pique do dia, tomando um chá gelado, dividindo uma barrinha de cereal de avelã e contando como meu corpo inteiro lateja em meio à nossa compatibilidade. Se a dor fosse amiga, eu ligava para ela no meio da noite e diria: "você me dói tanto quanto também me faz bem por ser minha amiga, mas agora me doou de você. Tanto, tanto...". Se a dor fosse amiga... É, mas ela não é. Por isso fico quietinha aqui, prometo não estragar tudo, peço perdão por quão errado foi esse resvalo, limpo a boca, respiro fundo, bebo do chá gelado e como sozinha minha barra de cereal. Feliz e sem dor para ter que compartilhar.

Annabel Laurino

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"Sei que vocês vêm aqui para ler neuroses, mas estou de férias delas."

Tati Bernardi

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"Porém havia uma coisa que nunca mudaria. Era impossível ficar zangada com ele por muito tempo."

Markus Zusak



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“E agora está você aí, com esse amor que não estava nos planos. Um amor que não é a sua cara, que não lembra em nada um amor idealizado. E, por isso mesmo, um amor que deixa você em pânico e em êxtase."


Martha Medeiros