O dia nasceu correndo como se um ratinho branco descarrilhasse
a correr em sua roda que de pedais de ferro polido ligavam-se aos ponteiros do
tempo.
Uma confusão louca se
apossou da minha cabeça, peito, coração, sangue, alma, espírito. Me sentei na
cadeira do quarto, o coração como um ser alado. Menino, poucas vezes me senti
assim. Parecia um daqueles ataques de pânico. Mas não vinham fisicamente, era
mais como se o meu espírito estivesse se debatendo dentre as bordas de mim.
“O que você quer?” eu
perguntava para ele, ansiosa por uma resposta, por desvendar a loucura que
ocorria dentro e fora de mim.
Mas não houve respostas.
Ele passou o dia assim, horas inquieto, horas parecia dormir profundamente, e
quando nervoso começou a cantar e cantar e cantar que quase fiquei louca de
tanto que cantava, musicas difíceis de se traduzir assim, muito pessoal.
E quando chegou o fim do
dia, enfim ele sussurrou falsamente, quase já sem forças: “não faça isso
novamente. Por mim”.
Cai em um silêncio
profundo. A própria parte de mim mesma chorando para que eu não a machucasse
novamente. E imagine só como não se sente em um momento como esse. Não tive
escolha, chorei até sentir-me lavada e lívida. E depois tomei uma decisão
menino. A decisão mais cruel, daquelas que você não escolhe entre um caminho e
outro, você só desvia deles, sem adentrar nenhum, você joga tudo fora, tudo. Menino,
como doeu. Caminhei dentre a estrada, desviei dos caminhos que me chamavam tentadoramente,
entre a ternura afável e o desejo ardente. Caminhei sem parar. Ainda estou
caminhando, cada passo estou mais certa de que a dor é mesmo opcional e de que
o sofrimento encontra-se em uma caixa rotulada por lembranças que não
necessariamente precisa ser aberta. Não há saída. Pelo menos meu espírito sente-se
mais leve, ele acaba de me dizer isso.
Annabel Laurino.