domingo, 11 de março de 2012

Embalando-se em um balanço pintado de mar


    Quero tirar uma fotografia, agora, nesse exato instante. Mas não tenho em mãos uma câmera fotográfica.
    Por um lado é até bom. Pois assim não me sinto culpada por não poder elucidar para você os sons. Sim, não se pode fazer isso através de uma fotografia, não é mesmo?
    Vezes ou outra, lhe confesso, não ouço nada. Mais ou menos no momento em que a onda pequenina e gelada toca gentilmente os meus pés, e cobre os meus dedos, minhas unhas pintadas de laranja.
    Fico parada aqui numa sede imensurável de compreender como tudo isso veio parar aqui. Mas esse sentimento é o mesmo de se estar apaixonado. Achar tudo incrivelmente mágico porém sem poder entender qualquer detalhe do que se está sendo sentido, por menor que seja.
    A areia úmida gruda na pele morna que se arrepia com o beijo do vento, o mesmo que embala e sacode o mar. A espuma densa veste sua grinalda branca. As bolhas formigam e explodem no ar. A ponta da caneta risca no papel em um arranhar nervoso e trabalhado, o sussurro das ondas, cantando ao pé do ouvido. As crianças brincam e o cachorros correm. Os músculos se movem no encalço do sol.
    Uma paz de espírito se apossou de mim.
    “Deus é muito lindo”, repito sem parar até que se possa entender nem que seja um bocado desse sentimento tão abstrato.
     Os pigmentos esverdeados do mar reluzem todos juntos, e penso que estranho quando uma gotícula sozinha, margeando em minha pele translúcida, perde sua cor, solitária. Olho para o céu, cinza arroxeado, pelo final de tarde, brilhando feliz. Um navio com suas luzes acessas navega lá longe. Arrasto os olhos pelo horizonte sem fim e sinto uma alegria, um formigamento no peito. Eu vejo Deus sorrir para mim.




Annabel Laurino



Dialogando.

- Sinto um incomodo estranho no peito, parece até que vou explodir.
- Vou fazer um chá para você.
- Um chá? Você não me ouviu? Eu sinto dores no peito, não no estomago.
- Sim, eu sei.
- Então por que raios de motivos você vai me servir um chá?
- Minha avó dizia que chá é bom para acalmar. 
- Mas eu não estou nervosa, só sinto dores.
- E por que motivos você sente tantas dores no peito? Seria seu coração? Você tem problemas de coração?
- Não sei...
- Não sabe?
- Bem, eu tenho sim problemas no coração.
- Então você precisa de um médico.
- Mas acho que não são dores físicas, se é que você me entende.
- Você está emocionalmente com dores no peito?
- Acho que sim.
- E está triste, sentindo muitas dores?
- Pode-se dizer que sim.
- Está confusa também?
- Bem...
- Está afim de chorar mas não consegue?
- É...
- E quer muito se deitar na cama, e chorar, e desabafar mas está tudo muito congestionado?
- Sim...
- Vou fazer um chá para você.


Annabel Laurino.

:

"E só eu sei o quanto doeu ver a melhor coisa do mundo indo embora."



Tati Bernardi

...

"É preciso saber ponderar os níveis de curiosidade. Esses mesmos níveis que sempre tão altos me levaram para lugares tão distantes."










Annabel Laurino

não é nada baby, é só o love forever de sempre

Só estou querendo um pouco mais de rosas tiradas da manga, moedinhas douradas retiradas de trás da orelha, coelhos tirados da cartola, panos de seda coloridos enroscados magicamente um ao outro em um piscar de olhos. Quero suspense baby, purpurina pura, quero som de jazz tocando ao fundo do rock music, tudo muito poeta beat, tudo muito girlie. Nada de mais. To só querendo paz. Um violão no colo, e um amor para chamar de novo. Passeios introspectivos. Nu artístico, por que não? Natureza morta, um toque de Shaskpeare, Dom Casmurro, Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu e tudo vai ficar bem. Sirva o café, ponha a mesa, estenda a cama, abre as janelas e deixa o sol de domingo entrar. Deita comigo amor, fecha os olhos, sinta o som, sinta o ar, sinta o vento, o tempo se arrastar.

Annabel Laurino.

barco de ferro sustenta-se firme, não quebra, não para, desliza no ar

Não tenho permissão para gritar, nem descrever mais o que sinto. Vai além de qualquer coisa. Gosto de pensar na ideia de um barquinho movendo-se solitário em um mar agitado, numa noite escura, uma neblina densa e um frio rasante. Dentre as ondas gigantescas ele ginga de um lado a outro ameaçando virar dentre uma onda ou outra que forte e gigantesca explode ao seu redor. A madeira antiga das vigas quase se rachando. Mas ele segue firme. A água entra e inunda-o quase completamente, porém guerreiro ele segue mergulhando dentre o reboliço de ondas, as velas a postos, o barquinho não cessa. A tempestade branda e ele continua, firme, sem parar.
   Sou um barco no meio da noite, valsando pelo mar. Não sei para onde vou e como fico, por onde fico. Mas continuo em frente, o importante é não se deixar parar nem derrubar.

Annabel Laurino.