O dia foi bom. Não teve nenhuma subtração ou soma. Nenhum
acréssimo na minha sacola de viajem. Nada. Não que tenha faltado oportunidades
para rechea-la mais, apenas não quis. Não venho querendo. Trago apenas o
essencial, nada mais do que o necessário. E pessoas, bem, não são exatamente o
essencial.
Digo, acordei e vi
o céu de meio dia bem pintado e refletido pela janela do quarto, o sol era tão
vivo que cegava a vista mesmo se visto de uma direção distante. O ar pungente
de verão, calor, febril, a pele suando, o corpo recém desperto ainda cansado,
dormente.
Mas depois de um
certo tempo, mesmo assim, o dia melhorou. Como sempre melhora aliás. Incontáveis
xícaras de café, mais capítulos escritos, alguns textos, afazeres diários, e
etc, etc, etc, blábláblá.
Depois de tanto me
lançar a fundo, depois de tanto querer tocar lá dentro, de mergulhar no
desconhecido, me atirar em incertezas, agora eu ando pelas beiradas, na superfície.
Entende? Antes o muito era pouco, agora o pouco e muito não me servem mais. É
uma medida razoável. Se me sinto bem, então tudo bem. Não conto dias, não conto
nem mais as horas que despercebidas correm a solta pelos ponteiros do relógio. Parecem
que fogem da seta traiçoeira.
Sei que não é muito
generoso da minha parte ficar assim, tão fria. Mas não é por escolha, é
fatalidade.
Ando como uma
jardineira maníaca podando as arvores antes que cresçam, esvaziando o jardim, não
aceito, estou seletiva, nego, sou madura, não percebo, não sinto, e praticamente
nem ouço. Mas sigo, sigo em frente e quando vejo que mais um dia chegou ao fim,
aliviada, tiro meu avental machado de tintas, minhas luvas pesadas, minhas
botas de combate, minha máscara protetora, e caminho até a cama, coloco um
pijama quente e macio, azul clarinho de preferência, abraço um urso, escovo os
cabelos, bem como bonequinha sabe? Daí eu me deito, em posição fetal, e choro
durante algum tempo, escuto uma música bem drama-ever-nunca-mais-posso-te-esquecer
e depois, bem, depois escorregando pelas bordas, caio em um sono profundo, duro
e quente, de lembranças ardentes de alguém que um dia fui, de quem amei, de
cenas que vivi, que não voltam mais.
Annabel Laurino.
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