sábado, 14 de abril de 2012

Chafurdando naquela caneca negra e brilhante de ponteiros tardios e flutuantes


    Mais uma daquelas noites em que se passa em claro. As pálpebras relutantes, cansadas e arroxeadas, suplicantes por nem que sejam trinta minutos de um tranqüilo descanso. O café posto ao lado, fumegante. As mãos tamborilando aflitas no teclado e uma solidão indefesa e raquítica, como um filhote de rato recém nascido e abandonado.
    São nessas horas da noite, quando o frio se faz intenso sobre o corpo sozinho, quando não há mão alguma para repor por cima da minha ou um braço sobre meus ombros desfalecidos e cansados, são nessas horas de dispersa atenção do mundo que reflito sem nada mais refletir.
    Fico um tanto só nesses pensamentos cristalinos. Brotam como gotículas de chuva encarapitando-se na soleira de uma janela ou decaindo da ponta fininha e delicada da pétala de uma flor. São pensamentos que me trazem saudade, pois conseqüentemente me trazem lembranças. Vezes esses pensamentos nascem como idéias, com questões introspectivas e paralelos múltiplos sobre o que ser e não ser.
     Não faz sentido, eu sei. Mas é como se uma parte minha me obrigasse a todo instante a pelo menos me entregar a mim mesma a esses momentos que vem tão raramente e se debruçam sobre mim.
    Queria escrever uma musica ou pintar um quadro, tirar fotografias, registrar uma arte, fazer algo que talvez expressasse todo esse sentimento acumulado que trasborda desde o medo a solidão e depois retorna a saudade.
    Queria não me sentir assim tão só, e literalmente só, nessa hora da madrugada. A companhia se faz apenas pelo som dos dedos trabalhando freneticamente no teclado, o arrastar dos lábios sugando a bebida na caneca quente, e alguns grilos do lado de fora da janela do quarto.
     Tudo parece tão imenso.
     Estou vestindo um moleton gigante que cobre meu corpo inteiro, desde os braços por completo até os joelhos. Não é meu, claramente. E traz nele um cheirinho tão bom. Vesti-o na esperança de não me sentir mais assim, tão só.
     Sei lá, talvez sejam essas duvidas todas que não consigo – e não tem jeito de conseguir – transparecer e expressar, de alguma forma que não ferisse a ninguém. Tais como todos os meus pensamentos conclusivos. E esses tão vorazes já até me tiraram quem eu mais queria por perto.
     Acho que não tem jeito. A maneira é terminar afogada nessa caneca de café, minha boa dose de companhia e chafurdar na cama, ler um pouco, escutar uma musica que faça algum sentido e dormir, ou não dormir e ver o dia rarear com o sol límpido nascendo lá longe e então fingir que depois de tendo dormido posso começar um dia que na verdade nem terminou, para mim.
    Concluo que essa solidão não é domável. Que só sentindo-a posso desfazer-me dela.
    E veja. Só sentindo, sentindo-me só, posso desfazer-me dela.


Annabel Laurino.




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