Mais uma daquelas noites em que se passa em claro. As
pálpebras relutantes, cansadas e arroxeadas, suplicantes por nem que sejam
trinta minutos de um tranqüilo descanso. O café posto ao lado, fumegante. As
mãos tamborilando aflitas no teclado e uma solidão indefesa e raquítica, como um filhote
de rato recém nascido e abandonado.
São nessas horas
da noite, quando o frio se faz intenso sobre o corpo sozinho, quando não há mão
alguma para repor por cima da minha ou um braço sobre meus ombros desfalecidos
e cansados, são nessas horas de dispersa atenção do mundo que reflito sem nada
mais refletir.
Fico um tanto só
nesses pensamentos cristalinos. Brotam como gotículas de chuva encarapitando-se
na soleira de uma janela ou decaindo da ponta fininha e delicada da pétala de
uma flor. São pensamentos que me trazem saudade, pois conseqüentemente me
trazem lembranças. Vezes esses pensamentos nascem como idéias, com questões
introspectivas e paralelos múltiplos sobre o que ser e não ser.
Não faz sentido,
eu sei. Mas é como se uma parte minha me obrigasse a todo instante a pelo menos
me entregar a mim mesma a esses momentos que vem tão raramente e se debruçam
sobre mim.
Queria escrever
uma musica ou pintar um quadro, tirar fotografias, registrar uma arte, fazer
algo que talvez expressasse todo esse sentimento acumulado que trasborda desde
o medo a solidão e depois retorna a saudade.
Queria não me
sentir assim tão só, e literalmente só, nessa hora da madrugada. A companhia se
faz apenas pelo som dos dedos trabalhando freneticamente no teclado, o arrastar
dos lábios sugando a bebida na caneca quente, e alguns grilos do lado de fora
da janela do quarto.
Tudo parece tão
imenso.
Estou vestindo um
moleton gigante que cobre meu corpo inteiro, desde os braços por completo até
os joelhos. Não é meu, claramente. E traz nele um cheirinho tão bom. Vesti-o na
esperança de não me sentir mais assim, tão só.
Sei lá, talvez
sejam essas duvidas todas que não consigo – e não tem jeito de conseguir –
transparecer e expressar, de alguma forma que não ferisse a ninguém. Tais como
todos os meus pensamentos conclusivos. E esses tão vorazes já até me tiraram
quem eu mais queria por perto.
Acho que não tem
jeito. A maneira é terminar afogada nessa caneca de café, minha boa dose de
companhia e chafurdar na cama, ler um pouco, escutar uma musica que faça algum
sentido e dormir, ou não dormir e ver o dia rarear com o sol límpido nascendo
lá longe e então fingir que depois de tendo dormido posso começar um dia que na
verdade nem terminou, para mim.
Concluo que essa
solidão não é domável. Que só sentindo-a posso desfazer-me dela.
E veja. Só
sentindo, sentindo-me só, posso desfazer-me dela.
Annabel Laurino.
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