E eu não tenho nenhuma história para contar. Nenhum drama diário
e repentino que esteja me tirando os fios de cabelo e fazendo minhas unhas
quebrarem, nada que esteja perturbando meu sono, ou afastando-o de mim. Não há
mais choros interrompidos no meio da noite com as cobertas servindo de muralha
envoltas do corpo em tremeliques e soluços e também não há mais vestígios de
tristezas profundas e falta do que pensar.
É verdade eu que eu
parei um pouco de escrever, as histórias, os contos, os pensamentos e aquelas
bobagens e dramas de sempre. Mas, acredito eu, que o motivo dessa interrupção abruta
seja justamente por que até que enfim, depois de tanto tempo, eu me permiti
viver as histórias que eu tanto queria contar.
Claro, você deve
estar esperando que eu te diga que o príncipe de armadura reluzante bateu na
porta com seu cavalo branco de crina macia me resgatando para uma aventura
feliz no outro lado do mundo. Na verdade, não trata-se de príncipes ou contos
de fadas ou se quer de histórias brilhantemente lindas e maravilhosas, é muito
mais que isso, é uma daquelas coisas que desconfiamos que nunca irão acontecer
e que acontecem.
Eu lutei muito
contra isso, eu não queria sair do casulo. Ao mesmo tempo que eu queria viver,
de alguma forma eu me impossibilitava, eu esperava algo escondida atrás das
cortinas, vislumbrando lá fora a chegada de algo que já havia chego a muito
tempo, e eu não queria ver, eu queria esperar mais.
Desisti de esperas que
incapacitam a felicidade. Me permiti ser feliz. Do meu jeito, da minha maneira
doida e desvairada, mas me permiti. E comecei a amar de verdade. Sabe aquele
amor de novelas e filmes da sessão da tarde? Pois é, é tudo mentira. É
verdade que amor mesmo é aquilo que fica, que suporta, que permanece. Amor é
manso. E amor cura. Amor não nasce do nada e nem se quer machuca.
Eu fui curada de
todas minhas crises. É verdade que ainda restam algumas, as minhas crises de
identidade ainda perduram, mas as crises mais fortes e tristes são somente
poeira numa memória agora congestionada de felicidade.
Aprendi a gostar
mais dos detalhes, dos pequenos momentos, das pequeninas coisas. A dar valor
para o irrecuperável, para o saudável. Comecei a amar sorrisos, o arrastar de pés
na areia da praia no domingo, as reuniões de família agora muito mais freqüentes,
os beijos, os amassos, as briguinhas bobas, as brincadeiras estúpidas, os
segredos, as trocas de olhares, os abraços longos e arrastados. Tudo isso agora
faz parte de um mundo novo que eu comecei a descobrir.
Meu espírito anda
leve e feliz e meu interior limpo e tranqüilo. Não salvou o mundo, não me
tornou a melhor pessoa do universo, as minhas notas de química ainda são um
desastre, mas mesmo assim eu sou melhor, eu sou mais feliz por ter aquela
pessoa do meu lado, por saber que em determinado dia eu vou vê-la, eu vou rir,
eu vou brincar com uma piada boba. É bom dormir abraçada naquele corpo familiar
e quente, ver aquele sorriso caloroso, ter aquelas mãos massageando minhas
pernas e saber que elas estarão sempre ali, onde deveriam ter estado há muito
tempo, se não fossem os naufrágios das minhas emoções sempre tão egoístas.
Amor é uma coisa
que nos faz bem, sossega, alimenta, cuida, cura. É numa tarde de praia, e numa
festa em família, é no dividir de um sorvete, de uma conversa produtiva, de uma
brincadeira amena, de beijos trocados, de abraços apertados. Amor é o que
completa a gente. E eu me sinto tão completa ultimamente, não há mais espaço
para o que deveria ter sido e não foi, não há mais espaço para o que faz mal. Há
espaço para a luz, para o bonito, o novo, o que salva, o que vem, o que constrói.
E isso tudo eu tenho tido tanto. Eu ando tão bem.
Annabel Laurino
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