Acordei sozinha em
uma confusão muda.
A casa estava
vazia, somente eu e mais ninguém. Um silêncio quase que arrebatador emudeceu
meus ouvidos e aglutinou em todos os cantos da casa.
As montanhas de
cobertas pesavam sobre meu corpo quente, afundando-me ainda mais sobre a cama.
Lutei com elas para me libertar e quando enfim sai de seu agarro, um frio
latente golpeou minha pele, me dando a tentadora vontade de voltar para dentro
das cobertas quentinhas. Mas não o fiz.
A cabeça dando
voltas e pensamentos meio embaralhados. Parecia que minha mente havia se
tornado uma espécie de liquidificador, batendo tudo, misturando tudo. E nessa
mistura toda, nessa confusão de dentro para fora, desde as cobertas bagunçadas,
o cheiro de sono, o cheiro de sol matinal lambendo o carpete, o cheiro do café
na cafeteira que alguém deixou pronto antes de sair, tudo isso me afundando em
um só entendimento. Compreendi o que Caio Fernando Abreu disse certa vez sobre que
assim como os cabelos os pensamentos acordam bagunçados e em pé. Algo assim.
De repente eu
queria pegar o telefone, eu queria entrar dentro dele e romper com toda a
distância que me separava dele. Eu
queria cessar toda e qualquer dor que eu fui capaz de criar nele, em seu
coração ingênuo e indefeso. Eu queria enfiar a primeira roupa que visse, pegar
a carteira e entrar no primeiro ônibus para encontrar-me com ele no outro lado
da cidade, onde ele se esconde.
Uma vontade mordaz
de dividir com alguém essa estranha dor de desamparo.
De repente os
livros apinhados nas estantes tornam-se apenas livros, com histórias
emocionantes que eu não tenho com quem compartilhar. Porque de certa forma,
muito dolorosa, havia com ele uma forma muito mais especial de compartilhar as
histórias do que com as outras pessoas.
Será que não era
por que ele realmente gostava delas? Por que ele as ouvia atentamente e com
satisfação? Será que não era por que ele também as lia, as devorava? Por que
ele entendia por completo todo o meu mundo e mais todos os outros que eu criava
na ponta do papel?
Sim, sim, sim e
sim!
Então pergunto-me
por que dessa ruptura. Por que em mim não há dor alguma e nem vontade de reatar
os laços. Não compreendo. Serei eu assim tão cruel?
De qualquer forma
fico pensando nele enquanto um programa de culinária começa na televisão.
Lembro-me dele cozinhando para mim, me fazendo pão de ervas doces que por sinal
fora delicioso.
A apresentadora
usa uma roupa que julgo horrível levando em conta a idade dela, que de certa
forma ela tenta esconder em roupas joviais ao estilo 25 anos. Idade que ela já
passou a muito tempo. Então lembro dele falando sobre roupas de forma engraçada
e desajeitada, penso nele falando de idosos, penso nele falando sobre
culinária, sobre musica, me ensinando a tocar bateria com suas baquetas
esfarrapadas. Lembro-me dele me contando milhares de suas histórias de terror.
Uma dorzinha no
peito, latente e incomoda.
Perdida,
afundei-me mais no sofá e com meus próprios braços abracei meu próprio corpo, e
permaneci assim por um longo tempo, abraçando-me. Sentindo o calor do meu
próprio corpo que de alguma forma não era bem o que eu queria, eu queria era o
calor de outro corpo. Mas aquiesci e satisfiz-me com o pouco. E fiquei só,
perdida no sofá da sala, abraçando-me, perguntando-me por que motivos há de
querer ser assim tão só.
A manhã rugiu em
bilhares de raios de sol que antes não dispunham no céu. E passou, as horas
passaram.
Permaneci só.
Annabel Laurino.
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