Ah se tudo fosse como naquele filme Meia Noite Em Paris... Se
tudo fosse como uma interminável viagem introspectiva e profunda. Imaginativa,
sim, porém fiel ao fato de nos conhecermos mais a fundo e, Santo Deus! Estamos
falando de Paris!
Assim que o filme
acabou me vi sentada sozinha no sofá da sala, chorando baixinho e vendo a cena
final como se fosse algum mapa filosófico para minha própria vida. Oras, que
coisa linda caminhar na chuva, escrever sobre os bulevares de Paris, aqueles
cafés, aquelas roupas, os rostos, as ruas, tudo. Tão bonito. Meu coração
pareceu inflar no peito como se baixinho ele próprio chorasse em uma admiração
gritante.
Enquanto a chuva
caia, meus olhos pareciam grudar na tela da TV. E veja só, aquele homem de
sorte tendo a oportunidade em meio a história do filme de sentar-se com
todos aqueles homens que admirava tanto e de conhecer todas aquelas maravilhas dos anos 20. E
eu aqui, não tão longe, sentada em frente a tela de um computador esperando ver uma máquina de
escrever, anos 60 e 70, trabalhando em um jornal auspicioso e qualquer de NY,
chaminés de de fumaças de cigarros encarapitando-se no ar frio da sala recheada de telefones
antigos tocando, homens em seus ternos bem vestidos, um cheiro de café mesclado
ao mofo dos papéis e das folhas amareladas, dos sapatos molhados em um dia de
outono e chuva. Ah... O coração parece que vai criar pernas e sair de mim,
fazendo tudo isso ser real.
Uma comparação
entre mim e aquele homem do filme me fez sentir-me ainda mais só, até o sofá
parece mais fundo agora. Queria estar em qualquer outro lugar, e penso nas
milhares de pessoa que escolheria de ver a
minha frente e conversar, conhecer, ter uma chance única na vida. Penso em tudo que eu gostaria
de viver, algo longe dessa realidade intangível, dessas feridas que marcam o
corpo e a alma, e dessas tristezas que, assim como todos nós, carrego todos os dias
como uma mala morta sendo arrastada atrás de mim, para todos os lugares.
Vivemos
reclamando do passado que não vivemos, ou desejando uma fantasia longe de ser alcançada. Eu,
todos os dias que acordo, gostaria de estar acordando em outra época, e isso,
quase sempre me parece tão impossível. Mas então eu faço um café, eu leio um
livro, eu busco vida em autores que não publicam mais seus livros, eu escuto musicas que não tocam mais nas rádios há muitos anos, eu pinto
o cabelo de uma cor diferente, eu uso batom vermelho e escolho sapatos antigos, me sinto
confortável, me olho no espelho, depois olho no calendário. Tudo bem, isso
passa. Essa sede toda de sermos aquilo que não somos, talvez um dia passe, ou não.
Enquanto isso eu vou colocando uma cesta de flores todos os dias na minha
janela, escrevendo poemas, mandando cartas, cozinhando biscoitos de Natal,
prendendo o cabelo com fitas de seda e chorando em filmes antigos e profundos. Enquanto
isso eu vou untando a fantasia de uma vida que poderia ter sido, com uma que é
agora. Enquanto isso eu vou empurrando a vida até ela me empurrar, em digamos
assim, para algum lugar plausível e... Desejado.
Annabel Laurino.
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