Ela lambeu os lábios e o avistou bem de perto, o nariz quase
que grudado na vitrine. Lindo, quanto mais se visto em uma vitrine na época de
Natal. Sim, na promoção, liquidação, 80% de desconto, para levar, sem juros. Acessível.
Ela havia namorado ele muitos dias, todos em que passava diante da vitrine e o
via ali, exposto, tão caro e reluzente. Nunca pensara em comprar um calçado
daqueles, por que não era assim confortável. E ela tão prática, finês e
pomposa, do estilo as clássicas, vezes gastando no vermelho e no rock, gostava
de algo mais sensual e ao mesmo tempo discreto, nada tão trabalhado, tão cheio
de voluptuosas. Mas naquele dia em si, não resistiu. Claro, estava ali, era só
passar a mão e levar, não tinha como resistir naquele momento. Ele todo pronto,
ela toda querendo. Era para ser.
Entrou na loja, e
pediu com toda a pompa para que a vendedora o trouxesse, sentou-se na cadeira
ao lado do espelho, ajeitou o cabelo, piscou os cílios repuxados, passou batom
e cheirou o pulso, perfumado. Tudo bem, parecia até que esperava pelo o
encontro da sua vida, e de certa forma era. “É agora, vou experimentar o
bendito”, pensou. Nossa, queria tanto ele que sentia seu coração se apertar,
queria mais do que muita coisa, era capaz até de sair correndo da loja com o
par calçado nos pés. Não entendia por que raios de motivo havia esperado tanto
tempo para decidir.
Cinco minutos e a
vendedora veio, saltitando em suas sapatilhas blasé, com a caixa dos sapatos
no colo, sorrindo feliz.
- Aqui – disse-lhe
a vendedora. Estendeu a caixa redonda, de laço vermelho do qual puxou a ponta e
abriu a caixa.
- É lindo! –
irradiou ela, tão cheia de perplexidade
- É mesmo. –
concordou de imediato a vendedora.
- Bem, vamos
provar!
Sorridente e
feliz, tirou suas sapatilhas confortáveis dos pés pequeninos e pegou o primeiro
pé do par de sapatos que tanto queria. O toque foi explêndido, maravilhoso,
melhor... melhor do que sorvete, melhor que cheiro de roupa limpa, melhor que tudo...
Não, não para tanto. Mas era incrível.
“Lá vamos nós.”,
pensou.
E calçou, logo, calçou
o outro.
[Silêncio]
Oras, mas que estranho.
-Então, ficou bom?
- Ahã?
- O sapato, ficou
bom? Ah, caminhe, caminhe com ele e veja se é confortável.
Obedeceu.
[Mais silêncio]
Sentou-se tonta na
cadeira, meu Deus era trágico. A tragédia das tragédias. O calçado era
horroroso, ridículo, feio, feinho. Grotesco. Cor de rato, era de um tecido
ruim, daqueles que marcam no pé, e sabia que era grosseiro falar assim, mas era
feio mesmo, muito feio. Ficara horroroso em seus lindos pesinhos pequenos. Era o efeito abóbora passada à mágica, só que acontecia com os sapatinhos, que não eram de cristais.
- E então?
- Não.
- Não?
- Não, não é para
mim.
- Não seja boba, é
para qualquer uma, ficou lindo em você. Ele é lindo.
- Não somos compatíveis.
- Oras...?
- É, nada a ver. Ele
não combinaria com nenhuma roupa que eu tenho, e olhe para ele, não valoriza em
nada com o meu pé. – tirou o calçado dos pés, os ombros caídos, parecia ter sido
vencida pela 1° e 2° Guerra em massa.
- Não diga isso,
ficou realmente bom. Ele combina com tudo, veja bem, com calças sociais a
vestidos clássicos, como esse que está usando.
Olhou-se no
espelho, ainda com um único pé do calçado.
Não.
Sabia que não
fazia sentido, mas realmente não era bonito. Não nela.
- Com licença, mas
vai levar esse calçado? – perguntou uma moça esguia chegando-se de repente.
- Não, pegue. –
respondeu ela.
A moça esguia
sentou-se ao lado dela e calçou o bendito sapato.
[silêncio]
- Vou levar. – sentenciou
apressada, antes que a vizinha ao seu lado mudasse de ideia e levasse o sapato.
A vendedora
saltitante pegou a moça e encaminhou-a até o caixa.
Muito bem, foi
melhor assim, pensou, agora não preciso mais me perguntar o que aconteceria se
eu não o tivesse experimentado.
Feliz, ajeitou os
cabelos, juntou a bolsa, e aprumou-se para sair da loja. Quando no final do
corredor, veja lá, um lindo par de
sapatos salto agulha, pretos, divinos de lindos, em veludo, revestido de couro,
magnífico.
Não sei, não
combina comigo...
Mas não sabia
explicar, queria mas não queria. E por fim, sabia, queria muito.
Sussurrou uma voz: Experimenta.
Outro dia...
Experimenta.
Tudo bem.
Annabel Laurino.
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