Eu gosto do silêncio... Eu o venero. A quietude quente e amistosa.
Mas hoje... Hoje eu quero abduzir o silêncio, quero amassá-lo como a uma folha
de papel, quebrá-lo em pedaços indefiníveis e jogá-lo como uma bola arremessada
no ar para muito longe. Quero rasgar as cortinas genuinamente brancas, pintar
as paredes de qualquer cor que seja cor, quero abrir as garrafas de café e
ligar o som, quero derrubar os móveis por acidente e deixá-los por lá por
quanto tempo for preciso, jogados, esquecidos, corpos sem vida mortos no chão. Eu
os matei. Que tragédia, que maldade. Quero, como quero dançar, mexer o corpo e
passar as mãos pelas coxas em carne, minha carne, sentir a quentura do suor
grudando, ligando as partículas da pele, quero pegar a pele e apertá-la,
apertar a mim, e sentir, continuar, subindo e descendo. Meu corpo. Eu estou
viva. Sim. Barulho e barulho. Estou viva. Movendo-me como uma alga marinha no mar
sendo levada e levada, dançando, a água fluindo, posso até escutar o som. Morder,
comer, jogar, pular, é só no que consigo pensar. Verbos. Sair, correr, olhar,
respirar, sorrir, gargalhar. Apertar. Instigar. Mover.
Annabel Laurino.
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