A
cidade é imensa. E eu perdida no meio disso tudo. Decodificada em substâncias
sóbrias de café e saudade líquida. Nessas andanças eu me encontro em cada
vidraça de um prédio de esquina, nessas andanças eu vasculho o mundo inteiro
num pisar de pés pequenos que esmagam sem piedade as folhas secas perdidas
pelas calçadas.
Aliás,
as folhas secas já começaram a aparecer. Constato isso enquanto cato uma ou
outra e admiro maravilhada as suas ponteiras bem contornadas, suas manchas de
vermelho e verde que se misturam como se pintadas à mão. Nas noites desse verão
que logo irá acabar eu cheiro o ar, procuro nessa imensidão vasta de uma
atmosfera que se modifica a todo instante a chegada do meu velho amigo outono.
Cachecóis, casacos, luvas e gorros. Os cafés quentes, os beijos no meio da rua
com o frio congelando os narizes já avermelhados, o vento soprando seco nos
cabelos bagunçados, fecho os olhos e como uma criança eu faço um pedido, quero
que o outono venha logo me beijar.
Não
sei por onde estive. Durante o calor caustico que assolou todos os dias nessa
cidade de pedras, eu me mantive como um coelho, na minha toca mágica, reclusa.
Senti as profusões de calor como uma mortal qualquer, mas me abstive de
participar do tão aclamado verão e todas as suas parafernalhas de entretenimento.
Eu vivi nesse meio tempo num espaço além
do espaço permitido, eu vivi além de mim.
Não
morri, mas revivi. Não sobrevivi porque me desfiz inteira, para que de uma
outra maneira completamente nova eu pudesse voltar a caber em mim. Ou caber simplesmente.
As vezes eu sentia que eu não me cabia direito. Agora me caibo melhor. Me
ajeito delicadamente todos os dias na minha forma, a forma de mim. Nesse instante eu já posso sentir que sou, sou mais essência do que antes já pude ser. Por isso eu continuo, nas minhas andanças de
flaneur.
Hoje
o que resta é o tudo de mim. Hoje nada sobrou, tudo é novo. Eu sou nova, me fiz
de novo. Hoje, o meu mundo é multifacetado de mil conotações difusas e que
brincam entre si. Ora é, ora não é. Esse mundo, mundo meu, mundo que se
modifica a todo instante, esse mundo de uma atmosfera amórfica e azul.
Annabel
Laurino
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