Porém ela existia. E voltava a dormir e acordar em todas as vezes em que eu abria um livro ou assistia aos créditos finais de um filme rolando na tela da televisão. Ela se recriava constantemente nos recônditos mais secretos de mim mesma, vinda de um imaginário múltiplo, era uma história cheia de dores e amores e as coisas mais fantásticas que se pode pensar. Ela era pura como um fio branco de nuvem cortando o céu e tão, tão escura quanto o mais negro breu.
Uma vez num certo dia essa história pediu-me com muito carinho para que eu a contasse, para que eu a transcrevesse em algum lugar. Escrever não, transcrever, de tal forma qual já existia e eu não pude negar. Pediu-me para que tivesse calma e muita, muita delicadeza. Disse-me: "O mais fácil é lembrar dos amores que já trazes no peito.".
Lembrar. Ela me fez lembrar como era ser criança outra vez, como então eu poderia de uma hora para outra provar o gosto bom de um doce que fora mordido lá quando criança. Foi pura mágica, como também foi muita dor, e todas as lembranças tinham seus gostos de favos de mel acompanhados de um tormento ameno de cicatrizes agora já curadas e saudade. Saudade. Ela me fez tomar pequenas doses disso.
Foi assim que fui trilhando meu caminho passo a passo, seguindo meu próprio trajeto em escrever sorrateiramente nas paredes de prédios abandonados da cidade onde todos passavam em frente mas poucos percebiam suas rusticas rachaduras do tempo ou seus destroços remoídos pela destruição, janelas quebradas, poeira a dentro.
Amor. Algo tão antigo, algo tão épico, findável, duvidoso. Que palavrinha essa que me vem e me atormenta. Durante séculos passando de boca em boca pela humanidade e essa palavra ainda nos causa tanta contradição. Foi sobre isso que eu tive que escrever, várias e repetidas vezes mas sem me cobrar além do fator máximo que se chama sinceridade. Tive que ir nos lugares mais escuros de mim mesma e me buscar diante a uma incredulidade que muitas vezes me espantava, me dava desgosto. E logo após isso eu aprendi muita coisa, entendi muita coisa.
Não, as páginas dessa história não estão prontas ainda, palavra por palavra é escrita com a precisão e a lentidão da alma, do sossego. E é por isso que eu ando sem pressa, que todas as manhãs eu descubro o sabor doce que o outro amanhã sempre pode ter.
As histórias se criam sem alardes, sem promessas. Elas só precisam de alguém que as conte.
Eu contarei algumas.
Tantas mais quanto eu puder.
Annabel Laurino
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