Quase como se eu não quisesse mais me dar ao luxo de mais alguns arranhões. Me deixaram como um gato arisco, fico com os meus olhos enormes de raposa astuta observando a minha volta e com o menor dos gestos de risco eu me escondo. Porque já doeu demais.
Tenho chorado por qualquer coisa. Isso não me orgulha e nem faz de mim uma pessoa melhor, pelo contrário, eu me sinto fraca por isso. Mas as vezes dói tanto essa solidão amarga com gosto ruim no fundo da boca. Leio um trecho bonito e choro, trago aquilo para dentro de mim como se alimentasse a alma, mas não alimenta. E choro como se chorasse a mesma dor de Caio Fernando Abreu ou Clarisse Lispector, como se de repente eu sentisse tudo e mais um pouco do que já foi escrito. Escuto uma musica e choro, porque fala tanto de mim e de repente eu só queria um abraço para confortar forte mas é só a musica que fala então eu choro por um tempo e depois que passa parece que fiquei mais leve. Só que eu não sei se fico, é como um ciclo. Volta e meia vejo um filme e choro, porque acho lindo algumas coisas que todos parecem ter esquecido tão de repente, abruptamente.
Eu não queria mais ser assim, sensível. Mas estou e sou. Sinto-me como uma rosa obrigada a fechar-se depois de ter florescido. Como você obrigada uma rosa a desflorescer? Ande logo, feche-se, ninguém vai olhar para você, ninguém irá achar bonita essa sua cor rubra e suas pétalas macias de nada valem, feche-se e esqueça.
Mas não consigo mais. Por isso ando reprimindo qualquer interação com o mundo exterior. Leu muito, ouço musica, sento na janela, escrevo, falo com um amigo pelo telefone e depois choro baixinho quando a noite cai. Porque o mundo as vezes fica cinza e ninguém percebe, tem dias que tudo é lindo e também ninguém percebe.
Acho que um abraço agora me colocaria em prantos e talvez eu me desmanchasse em choros novamente. Por isso também ando dispensando abraços. Ninguém entenderia isso tudo e por isso eu me calo.
Um casal apaixonado, um frase profunda, uma melodia gostosa de ouvir, tudo isso me emociona. Acho que não conseguiria mais ser aquela pessoa fria e calculista de antes, que não pensava nos outros e não tinha medo de arriscar qualquer passo involuntário no escuro, que se atiraria no mar revolto sem medo e que partiria qualquer hora sem mágoas ou saudade no peito. Desconfio que essa pessoa já não existe mais dentro de mim, porque ando tão perspectiva ao mundo a minha volta, e entendo tudo e compreendo e não consigo mais julgar. De repente sinto-me tão frágil e como se essa minha humildade toda tivesse criado em mim uma fome imensa, a de ser compreendida também.
Annabel Laurino
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