Foram o que, três horas de discussão? Ou quem sabe um pouco mais? A terceira vez nessa semana que a gente discutia, e debatíamos e nos exaltávamos um com o outro. Não somos de gritar, de usar palavrão ou de ficar com xingamentos, usamos de artifícios próprios e extremamente cansativos. Eu com o meu jeito sarcástico e irônico, debatendo tudo, com um quê de orgulho, você todo irritado, magoado e implicante. A gente não chegando em lugar nenhum, as horas passando no relógio desde que você tinha chego e eu não havia nem te dado um beijo de boas vindas.
Entramos numa fase estranha acompanhada do verão e da lua cheia. Ficamos nos estranhando, eu te estranhando mais do que você. Sei lá, deu um medo de tudo. Deu medo até de mim e da gente e todas as outras pessoas. A incerteza foi substituída pela insegurança que foi reforçada pela falta de confiança.
A vontade era que todo o redor sumisse e eu pudesse me enfiar em uma toca por sei lá, vinte anos, até que tudo isso passasse e estivesse velho demais para ser novidade.
Mas enquanto a gente discutia, em voz baixa, como dois velhos resmungões comemorando as bodas de ouro sentados na varanda de casa, você me pescava com os olhos, e eu desviava o olhar, afundada num ressentimento de tudo, de você, de mim, da gente. Sempre acabo assim, meio ferina demais quando a vontade de te estrangular transborda das bases.
E você me disse tanta coisa, e eu te disse tantas mais. E foram coisas e mais coisas, palavras soltas, afiadas e pontudas. De todas elas a que mais afundou no meu peito foi você exasperado, perdendo o controle, descabelando os cabelos, em crise, não sabendo mais o que fazer comigo, eu podia ver nos seus olhos que você seria capaz de levantar um carro qualquer parado ali na rua para me fazer voltar a sorrir. E você gritou: "Por que eu to aqui? Por que? Porque eu te amo demais caramba! Por que você não entende isso?". Não respondi. Fiquei te olhando passar a mão pelos cabelos e ficar parecendo um louco maniaco perdendo o controle, os olhos enormes por trás das lentes dos óculos, os dentes perfeitos mordendo o lábio. Não aguentei, surtei também, comecei a rir. E sim, eu lembrei porque eu também te amava tanto, você sempre me faz rir.
Depois a gente mudou de lugar porque tinha aquela chuva de insetos, e as três horas já tinham passado, estávamos mais quietos, sem nada mais para dizer. Como ficam os parques de diversões depois de uma algazarra de crianças ensandecidas e seus pacotes de pipoca, latinhas de refrigerante e palitos de maça do amor espalhados pela grama. No nosso caso, a mágoa era um caos completo sem deixar espaço para a grama surgir.
Porém não resisti ao teu sorriso enorme, as tuas mãos grandes segurando as minhas costas. Você me contou uma historinha no pé do ouvido, com todo o seu charme brincalhão, me subiu nos degraus da escadinha de uma casa para que eu ficasse próxima da sua altura beirando ao dobro do meu tamanho. Tive que elevar o pescoço ainda assim e te olhei nos olhos, você sorriu e me roubou as chaves da mão. Nada de casa agora, era a mensagem prescrita nos teus lábios fechados. E você me puxou para mais perto até que a sede da tua boca saciasse na minha. Sorri em meio ao nosso beijo e tu sorriu e tudo tinha um gosto bom. O gosto da tua língua perpassando na minha, o gosto da minha boca dançando na tua, do teu abraço apertado, das tuas mãos firmes na minha cintura, nos meus quadris.
As três horas foram penduradas no cabide dentro do armário que fica lá embaixo no porão. Eu nem lembrava mais de quase nada depois que terminei de te beijar e tu me puxou de novo para mais perto. "Ainda não pequena, minha linda, minha boneca". E me lembrei de tudo, desde o inicio. Como tudo sempre teve um...Gosto bom. Eu quase disse que te amava, mas não era preciso, tu sabia enquanto eu te beijava, de novo, de novo e de novo outra vez.
E outra vez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário