Se havia aquela excitação ao desligar o telefone
depois de uma conversa rápida e despretensiosa lá pelas duas e talvez três da
manhã? Claro, sim, com certeza, sempre haverá.
- Então tá,
vou dormir.
- Claro, tudo bem.
- Boa noite, se cuida, tá?
- Boa noite, me cuido sim, se cuida também.
- Durma bem – diziam juntos.
- Um beijo.
- Beijo.
- Tchau.
- Tchauzinho.
E aquele arrastar do telefone passando da orelha
para a boca enquanto o tchau ia saindo devagarzinho e o olho grudado na tela
na esperança vaga de que sei lá, de repente, viesse mais alguma coisa dita lá
do outro lado da linha. Não vinha, claro, e ambos desligavam o telefone,
jogados em suas camas, em seus quartos, em suas casas, separados por trilhões
de argamassas de concreto e casas e prédios e ruas e carros e sinaleiras e
bairro e praças e pessoas e mais casas. As noites eram assim as vezes, um
arrastar familiar de uma conversa mais familiar ainda. Como a dose de café para
um mero viciado, ou um copo de coca-cola gelada para os amantes enervantes, ou
um bom e delicioso chocolate, para os chocólatras. Uma droga inocente, mas que
latejava a falta nos dias em que não sucedia a reposição das doses. Olhos
triste pro telefone sem tocar, uma vontade de sei lá, nem que seja ligar só
para brigar, bater boca, fazer beiço, fazer drama e sabendo, porque sabiam,
fazer as pazes no outro dia. Criava-se um vicio, quase que um ritual, depois da primeira mordida ao fruto desejado era impossível parar. E eles não paravam de se procurar aqueles dois.
Por que? Não havia explicação. Essa era a graça. Eram os risos, as brincadeiras, as lutas, as mordidas, as brigas, as conversas, os jogos mentais e as guerrinhas bobas. As disputas, as competições. Não se cansavam, essa era também a beleza.
Como velhos
amigos as grandes palavras as vezes são desnecessárias para uma explicação que
exemplifique a Sintonia. E sintonia era o que tinha naqueles dois. Sintonia.
Uma estranha sintonia. Uma ligação sintonizada de parâmetros complexos e
basicamente, estranhos.
Annabel Laurino
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