Eu não sei o que me feriu mais, a sua indiferença ou a
facada no estomago ao ver tudo ruir ladeira a baixo, diante dos meus olhos. Ambas
as coisas desconexas, mas me machucaram frivolamente, tudo com uma pontinha de
minha culpa.
Nunca aprendi a
lidar com decepção, com desespero, com coisas quebradas e relacionamentos
estranhos, nunca entendi o fracasso embora tenha fracassado um milhão de vezes.
Então eu sentei aqui e comecei a fazer o que eu sei fazer melhor nesse mundo e
o que muitos dizem que não me levará a nada, escrever.
Comecei a escrever
coisas desconexas mesmo, tudo o reflexo de coisas presas e entaladas no peito. Mas
não saiu nada, no começo foi a destruição do quadro mais feio e mal pintado que
já se viu e depois, ficou pior. Eu respirei fundo, tomei um gole de café e
continuei sentada, rabisquei no caderno, desenhei um gato de óculos, prendi o
cabelo, escrevi umas mentiras esboçadas em frases e depois chorei.
Não sei como
consegui chorar, não foi um choro de verdade, não houve lágrimas. Foi só uns
soluços abafados que eu fiquei ruminando enquanto mantinha o travesseiro
afundado no peito.
Pensei que esse ano
tudo seria diferente, pensei que estava condunzindo minha própria vida mas as
vezes bate um desespero de simplesmente não estar. Entende? É como se tivesse
uma outra pessoa no controle de tudo isso decidindo as coisas por mim, e por incrível
que pareça, parece que essa pessoa louca, esse psicopata idiota adora ver um
drama na minha vida, uma história repetitiva e ultrapassada, ele simplesmente
ama uma reprise.
Vou te dizer que
não ta fácil. Nunca fui de muitos amigos, nunca me encaixei de verdade. Eu
sempre fui a estranha socada no fundo da sala olhando todo mundo com um ar de “quem
são vocês e de onde saíram todos?”. Juro que já tentei entendê-los, mas são
eles que não me entendem. Aos olhos vagos eu não passo de uma garota com a cara
enfiada nos livros que escreve e é chata de morrer. Aos olhos vagos eu só sou
mais um alguém meio assim, por ai.
Eu queria que a
nossa amizade tivesse durado, juro. É difícil encontrar pessoas que a gente se veja
tanto, nem que seja em um pontinho aqui e ali, mas que a gente se veja. E eu me
vi em você, em algumas nuances meio borradas, mas eu me vi, e foi tão bom até a
gente começar a misturar tudo. Olha agora, que indiferentes, momentos estranhos
e deslocados, transbordando o nosso
orgulho.
Há também as outras
coisas, que eu sempre abro mão quando está prestes a acontecer. É que eu ando tão
triste, comigo, com tudo. Não faz mais sentido entender, eu sei. Mas eu sempre
me deixo por vencida. Eu acho que não acredito mais em mim em ninguém ou em qualquer coisa. Sem perspectivas
a vida vira uma droga e eu ando completamente sem saber para onde ir, que rumo
tomar. O que eu sei é que as coisas que eu faço e tudo que eu tenho que fazer não
me dão prazer, e eu fico sentada olhando aquela gente chata, cada qual um molde
idêntico da outra, aqueles gritos, aqueles berros, eu sei que não preciso estar
ali todas as tardes, mas eu devo, e eu me sento, ouço aquelas informações serem
despencadas em cima de mim, me encho de força, me encho de esperança, penso que
se Einsten teve que aturar isso, se Jane Austen teve que aturar isso, se Van
Gogh teve que aturar isso, então eu consigo.
Mas não consigo. Eu
queria muito conseguir, mas me desmotivei. To desmotivada. É uma vontade de não
estar mais aqui, de nunca ter estado.
Falando tudo isso,
não resolve nada. Eu ainda ouço os pedaços de gelo da enorme avalanche ruir lá
do alto, vindo ao meu alcance, vindo sobre mim. E não sei se terei forças para
impedir, para segurá-la, não sei se encontrarei nos meus braços, os únicos braços
que podem impedi-la, a força que preciso para manter tudo no seu devido lugar, intocável.
Annabel Laurino
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