Lá fora a chuva açoita com o vento a mais de uma hora. Fico
me perguntando, a essas alturas na quarta caneca de café, quando ela poderá
parar e se irá parar. Não me importo que chova, mas todo esses pingos pingados
no vidro sempre tendem a me deixar um bocado nostálgica.
Olho as pessoas lá
fora, meros transeuntes na rua, seguindo seus rumos cotidianos, decisões feitas
no café da manhã, com seus compromissos marcados, lista de afazeres, compras por
fazer, trabalho para prestar.
Enquanto isso,
estou aqui dentro dessa minha caixinha de fósforos, como quem se esconde, quem
foge de alguma coisa.
Na verdade já nem
sei se fujo, por que afinal desisti de me proteger. É fugindo que as coisas
mais te devoram. E me devoram, devorarão, ainda estão a devorar. Não espero,
mas fico em repouso, como quem não se importa. E ainda assim a vida sempre
encontra um jeito de surpreender.
Tentei arrumar os armários,
lavar a louça acumulada na pia, limpar a mesa, tirar os lixos, arrumar a cama,
mas não consegui. Não me veio forças. O que me veio foi uma irritação, uma
irritação pela tentativa de arrumar tudo, de deixar sempre as coisas em ordem.
Tendo a pensar que
estou deprimida, não sei. Ou então algum tipo de esvaziamento de emoções. Queria
tanto algo bem bonito servido no jantar com uma sobremesa gostosa e quentinha,
chocolate quente com marshmallows, brownie com calda de chocolate.
Queria alguma
surpresa, presente envolto de fita branca com laço gracioso. E nesse querer,
que nem sei se é certo, eu acumulo uma raspa, resto, vestígio recíproco, de
esperança.
Claro que eu me
pergunto pra que, por que, de que adianta. Claro que eu não sei, não faz
sentido, quase nunca sei. Mas essas minhas ações tendenciosas são o que me
deixam viva, mas não vivendo. Não ando vivendo nada, vivo o básico, respiro o básico,
sinto o básico. O que eu queria mesmo, de verdade, nunca vem.
Fico sentada na
cadeira do quarto tentando fazer um filme na cabeça, montando personagens,
figurinos, tudo muito chato. Out.
Mas não importa agora. Não me permito chorar, não
me permito entristecer. Não estou triste, só não sinto mais nada. É isso.
Talvez, ah que
cansaço só de pensar, seja a hora de trocar o disco. Sim, tirar as roupas
velhas dos armários, limpar a vida, sacudir a poeira, talvez seja hora de
morrer por dentro e nascer por fora, deixar a vida se renovar.
Não sei, é só uma
ideia. Seria difícil, teria que decodificar tudo, refazer, excluir pessoas,
gestos, lembranças, sabores antigos, saudades amenas, ser forte, não tenho forças, ignorar, levantar o queixo, estufar o peito, e já quase nem tenho ar.
Uma porção de
coisas que hoje, com essa chuva lá fora, essa apatia por dentro, não tenho
certeza se seria capaz de fazer.
Annabel Laurino.
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