sexta-feira, 6 de julho de 2012

Apatia Encharcada


    Lá fora a chuva açoita com o vento a mais de uma hora. Fico me perguntando, a essas alturas na quarta caneca de café, quando ela poderá parar e se irá parar. Não me importo que chova, mas todo esses pingos pingados no vidro sempre tendem a me deixar um bocado nostálgica.
    Olho as pessoas lá fora, meros transeuntes na rua, seguindo seus rumos cotidianos, decisões feitas no café da manhã, com seus compromissos marcados, lista de afazeres, compras por fazer, trabalho para prestar.
    Enquanto isso, estou aqui dentro dessa minha caixinha de fósforos, como quem se esconde, quem foge de alguma coisa.
    Na verdade já nem sei se fujo, por que afinal desisti de me proteger. É fugindo que as coisas mais te devoram. E me devoram, devorarão, ainda estão a devorar. Não espero, mas fico em repouso, como quem não se importa. E ainda assim a vida sempre encontra um jeito de surpreender.
    Tentei arrumar os armários, lavar a louça acumulada na pia, limpar a mesa, tirar os lixos, arrumar a cama, mas não consegui. Não me veio forças. O que me veio foi uma irritação, uma irritação pela tentativa de arrumar tudo, de deixar sempre as coisas em ordem.
    Tendo a pensar que estou deprimida, não sei. Ou então algum tipo de esvaziamento de emoções. Queria tanto algo bem bonito servido no jantar com uma sobremesa gostosa e quentinha, chocolate quente com marshmallows, brownie com calda de chocolate.
    Queria alguma surpresa, presente envolto de fita branca com laço gracioso. E nesse querer, que nem sei se é certo, eu acumulo uma raspa, resto, vestígio recíproco, de esperança.
     Claro que eu me pergunto pra que, por que, de que adianta. Claro que eu não sei, não faz sentido, quase nunca sei. Mas essas minhas ações tendenciosas são o que me deixam viva, mas não vivendo. Não ando vivendo nada, vivo o básico, respiro o básico, sinto o básico. O que eu queria mesmo, de verdade, nunca vem.
     Fico sentada na cadeira do quarto tentando fazer um filme na cabeça, montando personagens, figurinos, tudo muito chato. Out. 
    Mas não importa agora. Não me permito chorar, não me permito entristecer. Não estou triste, só não sinto mais nada. É isso.
    Talvez, ah que cansaço só de pensar, seja a hora de trocar o disco. Sim, tirar as roupas velhas dos armários, limpar a vida, sacudir a poeira, talvez seja hora de morrer por dentro e nascer por fora, deixar a vida se renovar.
    Não sei, é só uma ideia. Seria difícil, teria que decodificar tudo, refazer, excluir pessoas, gestos, lembranças, sabores antigos, saudades amenas, ser forte, não tenho forças, ignorar, levantar o queixo, estufar o peito, e já quase nem tenho ar.
    Uma porção de coisas que hoje, com essa chuva lá fora, essa apatia por dentro, não tenho certeza se seria capaz de fazer.

Annabel Laurino.

Nenhum comentário: