Passou a mão pelos cabelos. Gesto repetitivo ultimamente. Tomou
um gole de café. Um vicio repetitivo ultimamente. Olhou, dispersa, através do
vidro da janela do quarto. O peixe preto nadava notoriamente, de lado a outro,
pelo aquário. As arvores, apáticas pelo frio repentino. Aliás, tudo parecia
repentino naquela hora. Uma mistura de sentimentos que eclodiam dentro de si
mesma, sem saber decifrá-los individualmente. Sentou-se no peitoril da janela e
jogou as pernas para fora, os pés mal alcançando as telhas velhas da varanda
abaixo. Contou, entediada, quantos pássaros voavam no céu, rumo a norte. Contou
quatro. O mesmo número de dias que não se falavam mais. Incentivada pela
contagem, contou mais algumas coisas. Quanto tempo fazia desde a primeira vez
que o vira. Fácil. Tentou, inutilmente, contar todas as brigas, não conseguiu.
Eram muitas.
Não entendia ao
certo por que tanto brigavam. Complexo? Eram tão diferentes? Tão iguais? Tão egoístas?
Tão explosivos? Tão dramáticos? Não entendia. Fazia parecer que não podiam se
suportar mais do que algumas horas sem que alguma coisa saísse voando pelos
ares, estilhaçada em cacos.
Perguntou-se, assim
como todas as outras vezes, se nesta em especial, haveria como fazerem as
pazes. Sorriu ao se perguntar isso, fazia parecer que ainda estava no jardim de
infância e que acabara de puxar o cabelo da sua coleguinha ao lado, tendo logo
que lhe pedir desculpas antes que ficasse sem sua merenda.
Desta vez, sabia
que não teria a merenda, recusava-se veementemente a reclinar-se e ceder. Não
cederia. Já havia cedido tanto... Não regressaria a sua fase deprimente de
quase um ano atrás. Aquele maldito tempo em que sua cabeça havia saído do
lugar. Não se machucaria novamente. Estava decidida a deixar com que as coisas fluíssem,
nem que para isso, ficasse sem sua merenda.
Decaiu em
lembranças fortíssimas, uma saudade, quase esqueceu de sua certeza, quase se
esqueceu de tudo, quase pulou por cima do telefone, se jogando longe da janela,
e discando os números freneticamente, sem pensar. Quase. Não o fez, não o
faria. Sabia profundamente que o tempo havia passado, que a hora havia passado,
que os dias haviam passado. Que algo dentro de si havia mudado. Não correria
atrás, não se pronunciaria.
Pegou a caneca de
café no peitoril da janela e bebeu de dois longos goles. Sentiu o corpo quente,
por dentro, apenas por dentro. Fechou os olhos, inspirada na injeção múltipla de
cafeína, fechou os olhos.
Gestos
repetitivos.
Sorriu.
Annabel Laurino.
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