Começo clara como água cristalina. Em parte, por que as vezes é preferível enfiar a ponta da adaga rápida do que prolongar lentamente, rasgando a pele aos poucos em uma dor agonizante e lenta, lenta e agonizante. Digo logo, não sei o que faço aqui e nem o que sinto.
Isso se torna um tudo muito falso e simplificado. Porém real, porém lucido.
As vezes você não prefere que seja assim?
Penso que a dor não sai mais daqui, parece como uma companhia bruta, quase carnal, parece que se aloja de tal modo ao meu lado que está sempre acorrentada a mim, e anda comigo por todas as partes e quartos da casa, nas ruas também. E quando estou acompanhada ela parece ainda mais viva, puxando-me os cabelos, baforando nuvens densas de suas chamas quentes em minha face, gargalhando das minhas tentativas inúteis para não me sentir tão só. Sempre querendo que eu me sinta estupida. E sempre conseguindo. Me pegando em flagra como uma criança no meio da noite abrindo a gaveta de chocolates e sendo pega pelo pai.
Fico repetindo que tudo isso tem que passar, é só uma entrada de dor passageira, passa, passa. Mas ela persiste tanto e tanto. Cada vez me sinto mais só, soterrada em coisas só minhas, e são tantas, tão pesadas, e que ninguém quer saber, que me sinto afundar.
Eu não aguento mais cuidar de ninguém. Não me leve a mal, mas já servi tanto de cobertor para noites frias, remédio para dores incuráveis, sol para noites chuvosas, corpo quente para vidas solitárias. Não aguento mais consertar pessoas, servir de ponte para realidades objetivas, não consigo, não funciona, não tenho mais forças.
Eu só queria uma unica vez que alguém chegasse e colocasse-me sobre o colo, acariciasse meus cabelos sem palavra alguma, essa pessoa escutaria todas as minhas dores, da mais fúteis até aquelas que nunca foram contadas a ninguém, mesmo nos momentos mais desesperadores. Então eu que seria carregada, consertada, que teria as feridas curadas, o peito frio aquecido, as lágrimas secas, o corpo são e a mente viva. Seria uma unica vez eu a salva, eu a resgatada.
Como dizia o Caio, chega de me doar, chega de me doer.
E de tanto arrastar-me nessa busca incansável é que a dor persiste, e vejo sempre com muito peso que estou sempre só.
Quase sempre sozinha no quarto, escutando uma musica velha, escrevendo categoricamente, penso no passado, penso naquele alguém que de certo nem pensa mais em mim e penso no quanto eu tive a oportunidade de não ter curado, mas ter sido curada e me neguei. A mim, a nós. A tudo.
Erros cruéis.
Digo a mim mesma, menina passado não se tira pó, se joga na gaveta. Começo andando em frente, mas vou dizer que ta difícil.
E é assim que encerro as águas, cesso as ondas, seco as lágrimas, engulo o desabafo, finjo que nenhuma tormenta nebulosa veio me visitar, saio daqui, me jogo sobre a cama e penso e repenso na vida, dando voltas em um circulo sem saída.
Tão difícil.Tão, tão...
Annabel Laurino.
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