quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Distante.


    Você tira os sapatos, coloca aquele camisetão gasto e preto, você bagunça os cabelos, bebe um gole de café bem amargo e quente, que desce pela sua garganta e acaba no seu estomago vazio desde a primeira e ultima refeição do dia, um biscoito de sal. Você anda pelo quarto, se olha no espelho, faz uma careta estranha, pega o telefone, nenhuma ligação. Anda pelo quarto de novo, liga o som, toca “Penny Lane” dos The Beatles, depois você chora um pouco e depois você se senta na cama. Admira o céu cinza meio fustigado de nuvens negras e pastosas. Você olha as arvores e fica em silêncio absoluto até que percebe os primeiros pingos de chuva cintilarem no vidro da janela. Você cantarola baixinho ao som de “Something”. Você fecha os olhos, e lembra-se como se fosse um sonho de quando era criança, das tardes sentada na mesa do ateliê com a sua avó, pintando panos de pratos e desenhando gravuras de revistas sobre natureza morta. Você se lembra de entender enfim o que era natureza morta. Você sorri se recordando de quando fazia seu avô se levantar da soneca da tarde e comprar picolés na esquina para você e de como se divertia em assistir ao “Vale á Pena Ver de Novo” ao lado de sua avó enquanto ela tricotava e vocês duas riam dos roncos altíssimos do seu avô no sofá.
   Você queria que o tempo voltasse. Você queria não saber das coisas que sabe hoje, você queria ainda poder passar as tardes de chuva brincando de bonecas e desenhando borboletas de tintas no papel. Você ainda queria acreditar que todas as pessoas seriam boas e que seu coração nunca iria se machucar. Você queria não saber o que é amor. Você queria saber como não amar. E logo, você se cansa que querer qualquer coisa impossível e absurda que logo você se da conta de que nunca vai acontecer. Você suspira, termina o resto de café, suspira outra vez, olha pro céu e chora mais um pouco, sem nenhum soluço soltar. Simplesmente queria que alguém puro, de coração limpo, pudesse reconfortar seus pensamentos e receber-te no colo, só pra variar. Queria ouvir uma canção e uma história de princesas, ter o cabelo escovado antes de dormir e um chá quente preparado para aquecer o corpo e desanuviar os maus sonhos. Simplesmente você não queria se sentir só. E só consigo mesmo. E só com o passado distante que não se ilumina mais.


Annabel Laurino.



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