Você tira os sapatos, coloca aquele camisetão gasto e preto,
você bagunça os cabelos, bebe um gole de café bem amargo e quente, que desce
pela sua garganta e acaba no seu estomago vazio desde a primeira e ultima
refeição do dia, um biscoito de sal. Você anda pelo quarto, se olha no espelho,
faz uma careta estranha, pega o telefone, nenhuma ligação. Anda pelo quarto de
novo, liga o som, toca “Penny Lane” dos The Beatles, depois você chora um pouco
e depois você se senta na cama. Admira o céu cinza meio fustigado de nuvens
negras e pastosas. Você olha as arvores e fica em silêncio absoluto até que
percebe os primeiros pingos de chuva cintilarem no vidro da janela. Você
cantarola baixinho ao som de “Something”. Você fecha os olhos, e lembra-se como
se fosse um sonho de quando era criança, das tardes sentada na mesa do ateliê
com a sua avó, pintando panos de pratos e desenhando gravuras de revistas sobre
natureza morta. Você se lembra de entender enfim o que era natureza morta. Você sorri se recordando de quando fazia seu avô se levantar da soneca da
tarde e comprar picolés na esquina para você e de como se divertia em assistir ao
“Vale á Pena Ver de Novo” ao lado de sua avó enquanto ela tricotava e vocês
duas riam dos roncos altíssimos do seu avô no sofá.
Você queria que o
tempo voltasse. Você queria não saber das coisas que sabe hoje, você queria
ainda poder passar as tardes de chuva brincando de bonecas e desenhando
borboletas de tintas no papel. Você ainda queria acreditar que todas as pessoas
seriam boas e que seu coração nunca iria se machucar. Você queria não saber o
que é amor. Você queria saber como não amar. E logo, você se cansa que querer
qualquer coisa impossível e absurda que logo você se da conta de que nunca vai
acontecer. Você suspira, termina o resto de café, suspira outra vez, olha pro céu
e chora mais um pouco, sem nenhum soluço soltar. Simplesmente queria que alguém
puro, de coração limpo, pudesse reconfortar seus pensamentos e receber-te no
colo, só pra variar. Queria ouvir uma canção e uma história de princesas, ter o
cabelo escovado antes de dormir e um chá quente preparado para aquecer o corpo
e desanuviar os maus sonhos. Simplesmente você não queria se sentir só. E só
consigo mesmo. E só com o passado distante que não se ilumina mais.
Annabel Laurino.
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