A semana acabou. É nesse silêncio condoído em que me encontro agora.
Apenas os latidos de alguns cães lá fora e o tilintar gostoso das teclas sendo
apertadas cada vez que escrevo. É nesse emaranhado de final de dia em que meu
corpo, agora cansado, agora exausto, se sobressai dentre suas veias azuis e
respira, lateja, se espreguiça.
Há bagunça por toda parte, todos os lados desse quarto, minha caixinha de
fósforos. As roupas jogadas, os sapatos largados num canto, na pressa de me
desprender das amarras que se impõem sobre mim todos os dias quando eu saio.
Embora eu diga que eu não ligo, eu ligo. Eis um segredo sobre mim, tenho olhos
de gato que desafiam tuas verdades mais salientes, que lambo carinhosamente,
fingindo que nada sei.
É dessa forma que tenho sobrevivido os últimos dias de junho, fugidio fôlego que vem sobre mim. Finjo que nada sei, mas as verdades estão mais do que
conhecidas pela minha mente que registra tudo, em segredo.
Se o cansaço que se apodera de mim é enorme, é tão enorme também a
imensa vontade de fugir daqui, mas roubaram-me os sonhos, ou matei todos eles. Assassinei meus próprios colorful dreams tão majestosamente sonhados em
uma noite perfumada de verão.
Alguém disse uma vez que matar os próprios sonhos é como matar a si
mesmo. Bem, sendo assim, morri uma centena de vezes nos últimos seis meses, mas
continuo em pé, porque meu corpo é forte e eu sou fibra, contínuo obstante,
nessa insana vontade de viver. Continuo.Porque tudo em mim é fome.
Te compartilho essas verdades inalcançáveis e corrosivas, quanto nem mesma eu me agrado
delas. Queria estar te escrevendo algo sobre finais de semana dançantes, algo
elaborado, sabe? Queria te escrever algo majestosamente supimpamente
emocionante, algo cheio de purpurina e flores, bem assim.
Mas eu sei, você sabe, saturno está longe e o meu tempo ainda não chegou,
ainda não está na fase de abrir-se as rosas. É por esse mesmo motivo que eu
continuo.
E quando chegar o momento eu irei parar? Não, eu continuarei, mas a
música será outra e eu nem me lembrarei mais disso tudo. Será passado.
Em ultimas estâncias eu espero nesse exato momento que alguma coisa se
acerte. Não sei o que, só sei de uma coisa, eu acredito na teoria do caos e em
verdade eu afirmo, depois do caos as coisas devem pelo menos tomar seu rumo. E
se não as coisas, que pelo menos eu encontre o meu próprio rumo, meu próprio
caminho, que a minha estrela brilhe intensamente, sem fim.
Nas noites frias eu procuro um calor humano que não encontro no meu,
mergulho nas cobertas geladas, enterro o nariz no cachecol, ligo a luminária e
varro o quarto com os olhos assustados de quem ainda não conseguiu dormir, abro
um livro e se não consigo me perder nas letras enfileiradas eu desisto, volto a
procura do calor humano que nunca encontro e depois de um longo tempo, eu
durmo.
Esse céu que não é meu um dia ainda poderá ser azul. E se não for? Que
seja cheio de nuvens bonitas, feito algodão, mas que eu nunca perca o riso,
que eu nunca perca essa fome, que eu nunca me esqueça do porque eu vim. Se nada
disso servir, se tudo for insuficiente, eu sei, que assim como Gatsby eu verei
lá longe a minha luz verde e a seguirei profundamente até os confins das páginas
desse livro que não acaba, que não termina. Porque eu ainda estou aqui.
Annabel Laurino